5.12.03

O videotexto (Post XXV)

É incrível a quantidade de bobagens que fazemos quando estamos perdidos. Sabem aquele ditado que diz "pra quem não sabe pra onde ir qualquer vento é bom"? Papo furado. Se você não sabe onde ir, fique em casa. Se possível, durma! Esqueça o caminho, o vento, os ditados e tire uma soneca. Era o que eu deveria ter feito naquela noite. Que idéia estúpida, ficar de teretetê no videotexto! Ainda por cima com um moleque! Um sujeito com aquela voz... e bundão! Ele me ligava nas horas mais estranhas, desligava sem dar tchau e, como se estivesse fugindo da polícia, falava sussurrado a qualquer hora do dia. E mais, vivia dizendo que não podia me encontrar pessoalmente porque precisava cuidar da avó.
Eu deveria ter desconfiado quando pediu que eu não ligasse pra ele. Justificou o pedido com a desculpa de que a avó tinha problemas mentais e não suportava o barulho do telefone. Um papo louco! Passei um mês achando que estava apaixonada por uma voz que me fazia esquecer o ex e me dava forças para romper o noivado com o clone, mas que vinha de alguém que parecia mais esquisito do que o Adolfo. Um mês querendo conhecer o garoto da voz grossa e ele se esquivando.
Um mês envolvida neste pesadelo até o dia que acordei com o ovo atravessado e decidi mandar os três para o inferno. Mas não antes de ver o loiro cabeludo de perto. Contrariando o pedido dele, eu liguei.

- Ou você me dá seu endereço agora ou nunca mais fala comigo.
- Mas...
- Ou isso, ou me esqueça.
- Por que não podemos ir com calma?
- Porque não. Eu tenho que casar nos próximos meses e estou de saco cheio de você me evitando e ao mesmo tempo dizendo que me adora. Se gosta de mim, deveria querer me conhecer.
- Mas a minha avó...

Eu tinha vontade de esganá-lo quando ele metia a avó na história...

- Você me dá seu endereço, eu te dou um abraço, vou embora e juro que nunca mais te incomodo se você não quiser. Mas não falo mais com você sem saber quem você é.

Ele deu o endereço com a condição de que eu estacionasse o carro na frente do prédio onde ele morava e conversássemos dentro do carro. Eu aceitei, anotei o endereço e combinamos de nos encontrar duas horas depois. Bizarria por bizarria, eu aceitei, mas achei melhor ir prevenida. Como medida de segurança, chamei meu melhor anjo protetor: a Sueli.
A Sueli era a minha amiga que não fazia perguntas, uma espécie rara no universo feminino. Uma garota fantástica que eu conheci na época do ginásio e que se tornou uma grande amiga de favores absurdos. Dessas que eu podia ligar no meio da noite, pedir pra ela me seguir de carro até um determinado lugar e chamar a polícia caso o locutor fosse uma roubada. Ela era tão incrível, que ouvia os meus pedidos com a cara mais tranqüila do mundo, levantava uma sobrancelha vez ou outra, mascava seu chiclete e dizia somente: "Ok". Nenhuma pergunta. Uma menina tão surpreendente, que me deixava constrangida de expor a minha natural curiosidade quando era ela quem precisava de mim. Precisei de alguns anos para me adaptar à praticidade e amizade quase masculina da Sueli. Nos tornamos a amiga-quebra-galho uma da outra. Mentiras, desculpas esfarrapadas, ligações investigativas, amiga álibi, armação de tocaias, perseguições, me vigiar com o intuito de garantir a minha segurança e jogar água fria em uma mulher louca, era com a Sueli e o seu fofinho (um fusca verde cheio de adesivos heavy metal).
Conferi pelo retrovisor a chegada do fofinho, ajeitei o cabelo e os brincos e pedi para o porteiro avisar no 802. Conforme combinado, aguardei ansiosamente que o viking da voz de veludo aparecesse, entrasse no meu carro e mudasse os rumos da minha vida.

--------------------->> Continua.

Amarula com Sucrilhos

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