Catecismo Metafísico
Repentinamente no palco estava tudo vazio e escuro como de antes-da-luz. Como de olhos fechados, que não se esclarece, à sombra do altar de um rito severo, concretizado em um círculo de druidas de pedra. Os móveis todos imotos e coagulados, não se pressentiam pois não se tocavam. Já estavam lá, mas tudo parado, sofrendo promessas de espasmos.
Era assim, no princípio, dentro da sua cabeça. As formas das coisas boiavam sem sustância nem superfície, num oceano de águas negras e frias. E não havia matéria, e não havia mentiras: só um caldo grosso e colostro onde tudo era um só.
Oceano sem termo e sem tona. Tudo é tranqüilo enquanto infinito. Não venta nem marola, e pouco-a-pouco passa a promessa, o desejo se acalma. A tenção se dilui – e salga essas águas – até que um dia sustenta mais nada: o que se atreve a ter peso logo naufraga,
pra dentro, pro centro. Há um cerne, no fundo. O nó da madeira do freixo do mundo, onde moram cupins, fantasmas e fungos. Velha árvore grávida de horrores, regada e nutrida do vômito de um deus ébrio.
Como as tripas de um poliedro pulsante, um coração oco, macio é tranqüilo. Ele bate abafado, mastigando o silêncio. Daí se divina a anatomia da Árvore, dos ramos ao húmus, um traiçoeiro fruto de cera que contém toda a floresta.
Quem mordeu a maçã foi (no fundo) a serpente. E, mais no fundo, confortável, as carcaças de matemática e chumbo da memória jazz/em silêncio, sobre as cascas de conchas partidas. De camada em camada sedimentavam-se vivas, não queriam mais levantar.
O mundo represa sem pressa, represa uterina do avesso. A bexiga inchada de sebo de um golias grotesco, surdo e sem olhos, que anda mancando pra não se estourar, anda pagando o pecado dos pais.
A vida é o preço do incesto. Cada passo dói muito, e todos olhando, meu deus que vergonha – que será ela tem? Será que isso pega? Isso não são modos de uma criança, não na frente do pai!
Foi então que tudo estancou, constipado de quantum aquático, cheia de dedos vivendo lá dentro, como bichos insetos nas carnes do açougue, castelos de carne, a mãe dos cupins, as filhas de Lot.
Tudo que existe antes da gente é parte da gente, a gente que inventa. Grão de mostarda onde dorme a semente, dorminhoca serpente disfarçada de ovo. Um cadáver morno e borracha, fervendo no fundo do mar, emaranhado em sargaços de plástico. É a neurose, aneurisma: fábrica de bolhas embaladas a vácuo.
Uma imensa indústria silenciosa, trompetistas roxos de tanto soprar instrumentos que não soltam som. Homens morrem sem fôlego numa noite de cabaré, enquanto a platéia dança e se diverte.
Bailarinos desamparados, a gente se projeta nos braços do outro, em seus olhos, ouvidos, buscando conforto. Tudo que existe é alquimia de símbolo. Swing do sangue, canção das esferas: os charcos funcionam com um surdo zumbido de funcionamento, o silêncio crescendo até estourar.
silício & silêncio
4.1.04
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