3.1.04

Tia Zéfa

Eu tenho uma família unida. Ou, pelo menos, parte dela. Dessas que se mobilizam para encher a laje, fazer a mudança, emprestar dinheiro e socorrer a tia desamparada.
Se tivessem pedido pra mim, eu iria pegá-la no hospital, mas só porque tenho medo de ficar como ela. Ela é a parenta que os meus pais usaram como referência para tentarem me convencer a fazer o que eles queriam.

"- Não vai ter filhos? Vai morrer sozinha como a tia Zéfa. Rica, viúva, avarenta e sem ninguém pra te visitar no hospital."

Ouvi isso tantas vezes, que já acostumei com a idéia de ficar rica. Antes eu ficava triste, mas hoje em dia, prefiro que me apontem como a sucessora da tia Zéfa do que como a seguidora dos passos da tia Linda, do tio Maciel ou do tio Ezio que se tornou a maldição do meu irmão Henrique. Aquele sim é uma ziquizira no destino de alguém.

Tia Zéfa, além de tudo, é uma mulher de sorte. Depois de passar dias afetada da diabetes, o hospital lhe deu alta bem no dia de Natal. Melhor dia para um enfermo conseguir um motorista. Bastou um pedido da minha mãe para que o espírito natalino tocasse o coração da minha irmã e ela se prontificasse a atender aos apelos da tia que ela mal conheceu.
Na verdade, tudo aconteceu por culpa da minha mãe. Qualquer desgraça que aconteça nos nossos diversos graus de parentesco, ela sempre é a primeira a ser convocada para resolver o problema. E ela fez isto tão bem enquanto eu e meus irmãos crescíamos, que nós aprendemos todas as lições necessárias para atender à demanda com rapidez e eficiência. Normalmente, mais eficiência do que rapidez, mas como era dia de Natal, minha irmã queria tudo, menos perder tempo.
Ela chegou na recepção munida de todas as suas técnicas de engenharia social. Sorriu para a enfermeira, flertou com o tio da limpeza e distribuiu balas para os plantonistas. Em menos de dez minutos ela já tinha furado o bloqueio burocrático, pego uma cadeira de rodas e entrado no quarto da tia Zéfa.

- Oi, tia! Lembra de mim?
- Oi...
- Eu vim buscar a senhora...
- Ah, é...
- Eu sou a Shirley, filha da Maria, neta do Jose, bisneta do João, prima de segundo grau da Ana, sobrinha neta da senhora. Lembrou?
- Ah, sim...
- Como a senhora está se sentindo? Está melhor?
- É... estou mais ou menos.
- E as coisas da senhora? Já estão prontas? Apoie-se em mim que eu ajudo a levantar.
- É? Está bem, então.
- Ainda não arrumou as roupas tia? Aí meu Deus, tia! Não, não, não! Pode deixar que eu arrumo.

Em menos de meia hora tudo resolvido. As duas, cheias de sorrisos e acenos, atravessaram o hospital sem muitos aborrecimentos. Os poucos corações enfurecidos por trabalharem no feriado já haviam sido conquistados com as lições de simpatia que mamãe ensinou.
Missão cumprida, ela colocou a tia no carro, meteu-lhe o cinto de segurança, ligou o rádio e, ainda movida pela graça da boa ação, me ligou do celular e ofereceu carona para o almoço na casa dos nossos pais.
Tocou minha campainha, quinze minutos depois...

- Não vou entrar. A tia Zéfa está no carro e ela tem dificuldade pra andar. Espero você aqui.
- Ok, eu desço em um minuto.

Peguei a chave, a bolsa, os presentes e a maionese. Maridon desligou o micro, fechou as janelas, acendeu as luzes pra despistar ladrões de fim de ano, ligou os pisca-piscas do cabideiro de Natal pra reforçar a segurança e trancou a porta. O carro parado em frente ao portão com a minha irmã de pé, já esperando com o banco levantado.

- Ois, ois! Entrem por aqui porque a tia Zéfa é ruim de levantar.
- Oi ti... Quem é a senhora? Shirley! Essa não é a tia Zéfa! Ficou louca?

------------------Continua em Amarula com Sucrilhos

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