13.1.04

A Saga do Primeiro Beijo (Post XXVI)

Cinco horas da manhã e nós duas conversando. Combinamos acordar por volta do meio-dia. Ligaríamos para o Kiko, passaríamos na casa do Murilo e sairíamos os quatro. Parecia um bom começo, tanto para as nossas relações de amizade quanto para os possíveis namoricos.
Muito antes do inicio da tarde, fomos acordadas pelo barulho estridente de uma ave que parecia um papagaio. Meus irmãos, empolgados com a aquisição do ser gritante, corriam em volta das nossas camas enquanto a Aruska tentava calar a ave com uma dentada certeira.

- Tira esse bicho de cima de mim!
- É um papagaio! Temos um papagaio! Temos um papagaio!
- E que tipo de droga vocês deram pra ele ficar assim?

Meus irmãos não tinham idade para saber o que eram drogas, mas nem mesmo a pergunta bem humorada da Marilu me fez sorrir naquela manhã. Eu não havia acordado bem e a culpa não parecia ser do papagaio.
Recuperadas do ataque matutino, saímos de casa sem que meus pais fizessem muitas perguntas. Parecia um milagre digno de me arrancar algum tipo de alegria, mas meu humor continuava péssimo. Mal cumprimentei o Murilo. Da casa dele, ligamos para o Kiko, marcamos de nos encontrar em frente ao museu e seguimos nosso destino.
Durante todo o percurso, tive que agüentar o Murilo tentando me dar o beijo interrompido na noite dos meteoros. Um sol infernal, o motorista do ônibus em alta velocidade, a Marilu quieta no banco ao lado e o Murilo querendo conversar, beijar... Minha cabeça parecia que ia explodir. Eu não distinguia mais a minha insegurança daquele mau estar. Me esquivei dos beijos, mas segurei em sua mão na tentativa de buscar algum conforto. Ele deve ter compreendido o gesto como um sinal afirmativo do namoro e me deixou em paz.
Quando chegamos no MAM, as coisas pioraram. O Kiko e a Marilu perceberam o meu estado e acharam que era melhor manter distância. Àquela altura, eu já estava agressiva.
Todas as alamedas, aquela exposição e as pessoas a nossa volta só aumentavam a minha indisposição. Murilo não sabia mais o que fazer e, na tentativa de não estragar o dia de todo mundo, sugeri que saíssemos do museu e caminhássemos um pouco pelo parque.
Em busca de sombra e água fresca, paramos próximos ao lago e ficamos conversando. O bate-papo descontraído e a brisa fizeram com que eu me animasse um pouco, o suficiente para que o casalzinho feliz me deixasse a sós com o Murilo novamente. Ele, por sua vez, voltou a insistir no beijo e eu, exausta de tanta resistência, deixei...

"Ok, vamos lá. É só um beijo. Já treinei beijo de língua na minha mão, em frente ao espelho e com uma maçã. Não há o que temer. Hum...beijinho roubado bom! Mas e agora? Não me olhe desse jeito... Vem, eu deixo você me beijar... Ah, bom. Pensei que tivesse desistido. Você não deve saber disso, mas beijar meus lábios com a minha aprovação também está bom. Abraço bom... Opa! Estranho... Iu! Que língua é essa? Precisa enfiar esse troço na minha boca com tanta força? Ai meu dente! Ok, está tudo bem. Foi só uma arranhadinha. Acontece. Mas será que podemos voltar aos beijinhos? Hum, passar essas mãos pelo meu rosto e cabelo está muito bom... Mas e eu? O que eu faço com as minhas? Vou deixá-las aqui nos seus ombros antes que eu faça bobagem. Uma coisa de cada vez... Não! Babação não! Não vou pensar na troca de micróbios, não vou pensar na troca de micróbios, não vou pensar na troca de micróbios... Este é o tipo de nojo sem cabimento! Caramba, esse menino não deve saber o que está fazendo. Pra que bloquear a minha traquéia? Ar, eu preciso de ar. Ok, ok... Respirar! Eu preciso controlar a respiração e relaxar. Pensamento positivo... Não há o que dar errado. Impossível que eu faça isso pior do que ele. Vamos tentar... Ei, será que eu posso misturar minha língua com a sua? Iu, nada bom desse jeito. Devolva minha língua! Como pode esse menino ser tão cobiçado pelas meninas? Parece um camaleão. Isso não é um beijo, é um bote. O que ele pensa que esta fazendo com o céu da minha boca? Isso faz cócegas e não parece nada nada com o beijo que eu achei que você me daria. Vai me asfixiar, seu imbecil! Ufa, ainda bem. Obrigada, deus! Suave, melhor. Me deixa descobrir com calma como isso funciona. De onde vem essa tontura? Que cara será que ele esta fazendo? Não estou me sentindo bem... E se eu abrir o olho só um pouquinho? E se eu abrir e ele perceber? Duvido. Ele voltou a se concentrar na extração das minhas amígdalas, não deve estar pensando em abrir os olhos. Vou olhar e pronto! Não ria. Não ria, Alessandra! Segure este riso! Não há porque rir. Se esse menino me apertar mais um pouco e o sol aquecer a terra só mais um tiquinho eu vou cair dura e seca nesse chão. Ah, não! Não babe tanto, não babe tanto, por favor... Meu estômago não está legal. Calor insuportável... Quer saber? Chega! Babar mais do que a minha cachorra é um pouco demais para o meu gosto"

Me afastei do Murilo e o "chega" escapou dos meus pensamentos e saiu pela minha boca em voz alta. Eu não estava bem.

- O que foi?

Não soube o que dizer. Olhei para o Murilo, para aquele lugar, para mim e tudo me embrulhava o estômago. Não sabia mais se era o sol ou uma febre. Comecei a transpirar e a sentir o corpo fraco e dolorido. Tive vontade de chorar sem ter a menor idéia de onde vinha aquele monte de sensações e reações. Foi tudo muito rápido. E eu deveria ter chorado, mas nunca ter dito o que eu disse.

----------> Continuará em Amarula com Sucrilhos

Nenhum comentário: