10.2.04

Memoria

Preciso gravar as conversas - longas - que tenho com minha mãe.

Nesse fim-de-semana fiquei um tempão perguntando e como era naquele tempo, mãe?, cês viviam de quê?, acordavam que hora?, comiam o quê?, faziam o que pra se divertir?, estudavam onde?

Ah, minha filha, naquele tempo a gente acordava 4 ou 5 da manhã, tomava um café preto e ia varrer o terreiro, botar milho pras galinhas.

E depois?

Depois, lá pelas setimeia, a gente tomava café: cuscuz com leite. Não havia pão. Aí minha mãe (sua avó) ia bordar e eu ia ter aulas com Dona Naninha. Uma mesa grande, comprida, cada aluno com sua lousa. Se errasse tinha a palmatória.

E o almoço?

Carne de criação (carneiro, bode), porco ou galinha. Pirão, arroz, feijão, farinha e ovos. Macarrão, só em dia de festa. Depois minha tia Tentença ia lavar os pratos e panelas, o que tirava a gordura era folha de velame que dava na beira do rio. Não tinha detergente. Pro jantar, gerimum com leite, batata-doce com leite, mugunzá com leite. Se fosse no inverno tinha coalhada, canjica, pamonha. Os gerimuns eram estocados em um quarto, se não se tirasse o cabo, duravam um ano inteiro. Na despensa tinha enormes baús, cheios de farinha, rapadura, feijão.

E de onde tiravam dinheiro, viviam de quê?

Da carnaúba. Da cera da carnaúba. Dois cortes por ano: a palha era posta pra secar e depois levada pro quarto da cera, passada na trincha pra soltar o pó, cozida, coada e depois de sólida, vendida para os exportadores em Fortaleza.

Se divertiam como?

Com brincadeiras e dramas.

Hein?

Brincadeira era quando minha avó chamava um sanfoneiro pra tocar no alpendre. Juntava todos os rapazes e moças da redondeza. Não tinha bebida, nada. Só dança. Drama era o que hoje se chama peça de teatro. O palco eram as portas da casa em cima de cavaletes. Vixe, a gente passava meses costurando o figurino e ensaiando. Cobrava até entrada, cê imagine. Era tão bom. (...) Coisa de menino.

Mas ói, tem que ser com a voz da minha mãe, pra eu guardar de lembrança e ouvir sempre que quiser.

Arroz-de-Leite, agora com cheiro de caju!

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