Soníferócito de Sonhol
Como você pode ver eu estou no auge da minha forma física : pernas quebradas, lábios inchados, braço com pinos, tronco remendado. Este é o máximo que eu posso atingir agora. Mas pode ser que não também! Eu posso muito bem dormir com essas pílulas que o doutor está me dando e num sonho mais agitado cair dessa cama e estatelar o pouco que não está estatelado em mim. E esses sonhos agitados que me incomodam, porque desde que estive aqui tenho dormido muito pouco, e o pouco que eu durmo eu tenho um sono irrequieto, onde sonho com livros criando asas e vindo em minha direção cortar minha cabeça. Guidons de bicicleta que giram sozinhos no ar e me impedem a passagem ou até mesmo uma cama que se abre e o buraco me joga na escuridão se fim. Mas ainda bem que é tudo um sonho. Péssimo mas é. E pensar que desde o dia fatídico nunca mais sonhei.
Toda esta história de sono exagerado começou desde que eu me tenho por gente. Na escola eu já passava a maior parte do tempo dormindo, e não raro, me trancavam lá dentro e de deixavam com as pálpebras fechadas. No outro dia quando abriam a porta eu ainda estava ali, na mesma posição, e só a insistência da minha professora fazia me acordar. Meus pais achavam normal, e tão normal que eles me acompanhavam na ida e na volta do colégio, porque eu corria o risco de dormir no meio da rua e ser atropelado. É, eu também dormia em pé. Mas não só em pé como em qualquer outra posição menos honrosa e agradável para dormir. Só que eu passei desta fase do colégio, e veio a pior : a vida adulta.
Foi aí que, como diria o sambista, "O barraco desabou", e eu no caso estava dentro desse barraco... Dormindo como sempre. No trabalho não faltavam risos quando o motoboy vinha me entregar a papelada e se deparava com eu dormindo ali, no sono mais profundo. Até assoviava de prazer por estar dormindo. A maioria dos meus colegas de trabalho diziam que era até engraçado tudo aquilo que acontecia, porque as vezes, eu parecia realmente um morto-vivo, um zumbi; claro que bem menos morto e bem menos fedido. Mas eu ficava ali, imóvel, com os dedos na caneta a posição de assinar um cheque, e aí ele vinha. O maldito, as minhas pálpebras pesavam, e eu sabia que ia dormir ali mesmo, gritava para mim mesmo por um fósforo, um pedaço de madeira, ou qualquer objeto pequeno que quando colocasse entre as pálpebras, as deixasse sempre alertas. Mas não, e eu dormia. O cliente é claro não entendia nada do que acontecia, e os meus colegas começavam a galhofa. Chegavam inclusive a por cartazes em minha mesa do tipo "Gênio pensando" ou "O trabalhador do mês". Eu percebi isso, e então comecei a contra-atacar. Dormia com um olho, e ficava vigiando com o outro, assim esses meus colegas fanfarrões não poderiam me pregar peças. E deu certo, porque nunca mais eles colaram coisas na minha mesa. Mas às bocas pequenas a tiração de sarro de sempre, rolava solta.
Mas o pior fato que aconteceu comigo, devido à esse sono imparcial, foi quando eu estava voltando do trabalho na véspera do Natal. Estava eu no ponto de ônibus meu estado habitual, de sono, e então eu dormi. Isto lá pelas 7 da noite. O motorista, nem o cobrador, devem ter me visto ali atrás do banco mais alto do ônibus, e por isso me deixaram ali. Mas começou a soar uma sirene e acordei. Do nada apareceu um monte de policiais por ali, pensando que havia um ladrão na garagem dos ônibus. Que o quê... era só o pobre eu aqui. E acredita que eles não aceitaram minha explicações? Tive que chamar minha mãe lá do cárcere, e ela veio explicar o meu problema para os policiais. Aí sim fui liberado.
No dia do Natal, dia 25 (porque muitos pensam que Natal é no dia 24 e dão felicidades nesse dia), tivemos uma pequena festinha, e nesta eu encontrei uma moçoila de muito bom grado. Me acariciei com ela e resolvi que deveríamos ir para o apartamento dela. No caminho já dava sinais de cansaço, ia dormir a qualquer momento. E quando cheguei lá, e fomos nos deitando na cama... Eu dormi. No outro dia ela não estava lá, mas deixou um bilhete "Você é muito bom de cama ..." eu sem saber de nada que havia acontecido no dia anterior, fiquei lisonjeado. Mas quando fui por o bilhete no criado mudo, o inverti, e vi que havia alguma outra coisa escrita "... dormiu como um anjinho. E nem ronca". Eu não sabia aonde por a cara, a mulher era chegada dos meus colegas de trabalho. Imagina se a notícia se espalha? Deu calafrios em mim só de pensar. Mas eu me vesti e sai na rua.
Quando estava atravessando uma avenida bem movimentada, ele veio de novo. Meus olhos fecharam e fiquei imóvel ali no meio. Acordei na ambulância, e peso até hoje por minha mãe e meu pai não terem me acompanhado nessa travessia de avenida. Mas nem é a dor física que me incomoda. e sim esta falta de sono. Um sono bom e pesado, como o que eu tinha.
Antropóide Misantrópico
2.2.04
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