atrapalhará a escritura deste texto e assim nunca saberemos onde a enfermeira pôde chegar, se ela voltou para casa e se sentiu feliz por estar com seu cãozinho e se o velhinho ficou triste por estar só e morreu de madrugada, olhando a chuva tocar na janela do hospital com seus dedos de granizo uma melodia líquida. Eu não quero pensar em outras coisas, mas é inevitável, e penso em Michel. Penso no quanto devo estar chateando-o, com meus atrasos no trabalho. Ouço um grito do Pernalonga, vindo da tevê na sala: a minha filha diz algo impossível ao Pernalonga no exato momento em que o cãozinho lambe uma lágrima no rosto da enfermeira. Os pensamentos todos sobre a sua solidão, a minha solidão, a solidão de minha filha e a solidão de seus pernalongas imaginários atrapalham o desenvolvimento deste texto, que certamente não terá fim. Você levanta-se, para além deste texto, para fora deste blogue, e coloca This Years Love para ouvir. O piano de David Grey e sua voz rascante fazem com você e com o dia algo semelhante ao que o cãozinho faz com a enfermeira. O fato de eu ter começado a pensar e ter interrompido este texto me deixa mais confuso ainda e eu penso em como tenho me sentido confuso, em como tenho me sentido só, mesmo quando acompanhado por uma turma de setenta alunos, e penso que alguma coisa deve estar por acontecer, pois há muito tempo não tinha a consciência de estar só. A enfermeira trança seus dedos no pêlo do cãozinho, minha filha abraça seu cobertor deitada no sofá, você veste suas calças pensando em mim, no cãozinho, David Grey solta um vibrato rouco, Michel desiste de esperar o meu telefonema, o velhinho ruma para sua felicidade escura e o dia começa, em um outro dia, em um outro dia. Em um outro dia.
HOTEL HELL
15.3.04
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário