Da série NINGUÉM É O MESMO, MESMO QUE SE REPITA
Eu tentei soltar pipa, a pipa não me soltou. Fiquei enredado de olhos. A pipa é uma vara de pescar pássaros. Eu esqueci meu casaco ontem. Eu não peguei o troco no lotação. Eu me desfiz em detalhes. Estou onde não começo. Se desfazer em detalhes é ser devoto dos ouvidos. Me pareço com a neblina. A neblina é um rio tímido. Eu queria pintar quando pequeno. Admirava o copo de requeijão com os pincéis dormindo. A tinta se espreguiçando na água, de camisola. Lembrava o mar de Tramandaí, que não é azul, mas água do azul. Queria trocar o copo de escovas de dente por um copo de pincéis. Meu tio tinha dentes pretos. Eu acho que ele trocou os copos. Em casa, havia um dia em que a milícia materna recolhia as revistas de mulheres peladas. Todos os esconderijos eram vasculhados, saqueados. Embrabecia com meu irmão caçula que ajudava a mãe a arrecadar as musas. As publicações raras e do mercado clandestino da escola queimavam na lareira. Inquisição doméstica. Depois é que fui entender meu irmão. Ele queimava as revistas para poder olhar as mulheres. O fogo era sua liberdade.
Fabricio Carpinejar
26.3.04
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