20.3.04

Dona Donata

Talvez eu ainda não tenha falado dela aqui. Apesar de ateu, há coisas que são sagradas para mim, e não gosto de ficar falando nelas. Acho que é pra não desgastar, sei lá. Só sei que dentre essas coisas ocupa lugar de maior destaque a lembrança da minha avó materna, Dona Donata. Todo esse negócio que eu tenho, de contar histórias de um jeito meio engraçado, meio triste, eu herdei dela. E ela contava histórias bíblicas assim também: A versão dela para a história de Salomão e as duas mulheres que brigavam por um bebê era muito mais legal e engraçada que a original, com Salomão jogando a criança pra cima e tudo mais.
E sonhei com ela esse fim-de-semana. Ela dava um jeito de entrar em contato comigo através de uns aparelhos parecidos com modems, e as mensagens vinham numa espécie de código morse. Começou a me explicar que toda pessoa, depois de morta, vai para onde passou a vida acreditando que iria. Então o cara que acha que vai prum lugar cheio de anjinhos tocando harpa, vai prum lugar cheio de anjinhos tocando harpa. Um cara que acredita que vai passar a eternidade com muitas mulheres e cerveja, vai para o céu da putaria. Minha avó estava num lugar muito bonito, tinha praia lá, e ela conversava muito com Nossa Senhora, não rezando nem nada, mas como velhas comadres. E Deus (em maiúscula aqui por respeito à minha avó, não a ele) passava às vezes pra ouvir umas histórias dela também, e ria, ria muito.

Então perguntei para ela o que me estava reservado depois de morrer. E ela respondeu que eu iria para o inferno. Não por ser um descrente, mas por trabalhar com máquinas, e passar tanto tempo com estes seres sem espírito.

Antes que perguntem: Não, eu não acredito que minha avó tenha falado comigo em sonho. Mas acho meu subconsciente precisava encontrar um modo contundente de gritar por socorro, de avisar que estou afundando. Nada melhor do que fazer isso através da voz de Dona Donata, a melhor contadora de histórias que já habitou esse planeta.

Jesus, me chicoteia! || arquivos setembro 2002

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