1.3.04

O jogo dos palavrões

O menino puxou a manga do pai e disse, baixinho:

- Eles estão falando palavrão.

Era a primeira vez que ele levava o filho ao estádio. E a torcida não colaborava. Olhou em volta e viu cerca de dez mil pessoas em pé, insistindo numa hipotética ligação entre o apito, os bandeirinhas e a mãe do juiz. Pegou a mão do filho:

- Augusto... o estádio é o único lugar do mundo onde as pessoas podem falar palavrão. O único. Em qualquer outro lugar, você sabe o que acontece... aquilo que tua mãe te ensinou.

- Fica com a boca suja?

- É. Fica com a boca suja. Menos no estádio.

- Por quê?

- Por quê? Bem, era preciso ter um lugar no mundo onde as mães deixassem a gente falar palavrão, não é?

O menino concordou com a cabeça, satisfeito com a lógica da resposta. Não era de se espantar que o lugar fosse tão grande, e estivesse tão cheio.

O jogo corria nervoso. Houve um breve momento de silêncio, quebrado por um grito estridente:

- Filha da puta!

Era o menino.

- Filha da puta vai tomar no cu filha da puta!

Todos aqueles torcedores bêbados, barrigudos, sem camisa, todos aqueles assaltantes, camelôs, motoboys e taxistas, todos pararam de cuspir e arremessar sacos de urina no campo e olharam horrorizados. Que tipo de pai deixaria uma criança gritar daquele jeito? Que tipo de educação era aquela?

- Augusto! Pára com isso!
- Por quê?
- Por que o quê?
- Você disse que aqui a gente podia falar palavrão.
- Aqui a gente pode falar palavrão. Mas não agora.
- Por quê?
- Como por quê? São as regras. Você tem que ter um motivo pra xingar. Tem que esperar acontecer alguma coisa importante.

E o que era mais importante que o gol do seu time? Os assaltantes, camelôs, motoboys e taxistas se levantaram, unidos por um único urro de alegria. O menino não teve dúvida:

- Puta que pariu filha da puta!

O pai tapou-lhe a boca e olhou em volta com um sorriso de constrangimento... esse menino...

Daí em diante, Augusto teve muitas oportunidades de xingar à vontade: um gol anulado, dois pênaltis não marcados, um cartão vermelho e dezenas de faltas.

Quando o jogo acabou, o menino estava exultante. Nunca se divertira tanto em sua vida. O time perdera por três a um. Quem dera fosse por quatro. Cinco. Seis. O objetivo maior era ou não era xingar? Na portão de saída, não saiu.

- Que foi?

Augusto fez sinal para o pai esperar.

- Que foi, moleque?

O menino virou-se, encarou o estádio e gritou pela última vez, como toda a sua força:

- Filha da puta!

E então saiu, pronto para enfrentar o mundo.

FDR

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