Solidão é uma coisa vergonhosa
A amiga comprou uma picape. Carro de dois lugares, logo começaram a questionar a escolha. E ela:
– Ué, pra que mais? Eu não tenho namorado.
– Mas pode arranjar um, e aí?
– Arranjar como? Não: o banco do motorista é para mim, o do passageiro pra minha bolsa. Tá bom demais.
Agora, meses depois, pensa em trocar de carro. Um namorado imprevisto tomou o lugar da bolsa.
O amigo mandou um e-mail pessimista. Assunto da mensagem: "Momento Marco Aurélio". No texto, ele falava da solidão, da falta de perspectiva. Isso foi há um ano. Um mês depois ele conheceu uma garota e começaram a namorar. Moram juntos agora. Criam poodles.
Apesar desses exemplos de dois dos meus amigos mais próximos, eu não dava o braço a torcer: ia morrer sozinho num apartamento escuro, meu cadáver seria encontrado uma semana depois. Ou então eu criaria jibóias, e elas dariam cabo do corpo. Não havia decidido ainda que fim me esperava, mas sabia que seria trágico e solitário. E aí uma namorada saída não sei de onde me obrigou a rever meus planos.
E agora eu me sinto ridículo ao lembrar das coisas que eu dizia, e estou certo de que meus amigos sentem o mesmo. Quanto amargor, quanto desespero! E para quê? Para vir uma menina e, com suas mãozinhas pequeninas, jogar tudo isso fora e deixar entrar um pouco de ar. Ah, que vergonha dos meus sonhos de misantropia!
Você também alimenta sonhos assim. Nah, não negue. Eu sei. Aceite um conselho de titio: evite essas bobagens. Quanto mais você falar em solidão eterna, em isolamento perpétuo, mais vergonha irá passar quando aparecer quem o livre do peso. Porque nem pesa tanto assim, e vai ser uma baita desmoralização quando alguém tirar com um sopro toda essa carga que você diz ser tão insuportável.
Jesus, me chicoteia!
23.3.04
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