25.3.04

WHITE MAN'S BURDEN 

Só adquiri o hábito de ler depois de adulto, aos 25 anos, quando me mudei para o apartamento onde moro hoje. Não consegui, por apoucado pelos mercurismos da genética, pensar em outra via de convivência que não acondicionar sistematicamente meu lixo em sacolas plásticas da livraria Cultura, como forma local e reconhecível de me impor. A prática gerou efeitos melhores do que eu poderia imaginar. Em apenas três anos o vizinho da direita - direita de quem do meu apartamento olha para o corredor - defletiu para outras e ignotas paragens, poupando-me gentilmente do constrangimento de familiarizar-me com suas feições. O da esquerda, conquanto menos solícito, já aprendeu a usar fones de ouvido e a não trazer para casa mulheres que riem alto demais (um dia ele vai me agradecer), e no momento se esforça para domesticar o assobio. Com o apartamento da direita ainda vago, tenho razões para considerar essa etapa virtualmente encerrada, e passei a substituir as sacolas da livraria Cultura por acondicionadores de lixo proprio sensu - pretos, opacos, subentendidos e adequadamente impermeáveis à curiosidade alheia. Pelos próximos anos, planejo deixar cair ingressos de concertos de música erudita no corredor, o que me parece perfeito, exceto pelo fato de que não vou a concertos com muita freqüência.

Apesar de tudo, pretendo rejeitar até a morte o rótulo de metrossexual, por saber que não fica bem em mim adotar opções sexuais mais novas do que eu e por não conhecer marcas de xampus e condicionadores, crendo firmemente, quanto a esse particular, na bondade intrínseca do estado de natureza.

Contos Licenciosos

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