29.4.04

Em uma certa manhã ou tarde ou noite da adolescência as pessoas decidem o que vão ser – em um minuto. O garoto, visitando o quarto do vizinho que sabe alemão e conhece diferentes aberturas no xadrez, se sente humilhado pelas fotos do vizinho de smoking, jantando num hotel escandinavo com uma garota linda de vestido de noite. “Quer saber, eu sou vulgarzão mesmo, com orgulho”, ele pensa.

E pronto. Cinco minutos antes não era, mais agora vai ser. Chegando em casa se olha no espelho e sorri: “Eu sou vulgar, vulgarzão”. Faz pose de vulgarzão.

Dez dias depois cria um blog que ele mesmo chama de tosco, e deixa comentários elogiando outros blogs por serem toscos: ae supertosco o seu blog huahuahuahuahua. Na escola faz sucesso ao escarrar na própria coca-cola e depois beber - enquanto seus amigos sorriem e fazem cara de vômito, andando pela quadra de vôlei recurvados como se tivessem levado com um taco de beisebol no estômago e gritando “Deus! Deus!”. Repete a façanha sempre que pedem. Dois anos depois está lendo Bukowsky...

Às vezes volta atrás na decisão, é verdade; usa o uniforme de vulgarzão durante uma semana e depois devolve para a loja porque pinica, ou fede, ou solta bolinha. Eu mesmo, acreditem (mostra-se encantadoramente confiante que as pessoas ficarão espantadas) já me disse vulgar, vulgarzão, numa certa tarde do início da década de oitenta. Mas meu conceito de vulgar era o das pessoas pintadas por Frans Hals – você sabe, pessoas de bochechas vermelhas que riem batendo nas coxas e são francas, essas coisas todas. “Eu sou vulgar”, eu disse com orgulho – o caso mais patético de má compreensão de si mesmo desde que Henry James achou que podia escrever peças e Michael Jackson achou que era bad. Usei essa roupa de vulgar durante três dias e desisti. Mas outros, oh, os outros (eu me desespero muito dos outros) persistem, e ficam fazendo desenhinhos de pôneis fumando baseados gigantes nas costas dos cadernos alheios.

Candidamente lhes proponho que todas as pessoas que se dizem toscas (com orgulho) passaram na juventude por um momento de embaraço social e decidiram recuar - para o cantinho mal-iluminado em que Bukowsky eternamente come comida que caiu no chão, sob o olhar vigilante de duas prostitutas paraguaias que riem huahuahuahuahua.


alexandre soares silva

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