15.6.04

MORRE MAIS UMA PARTE DA MINHA INFÂNCIA

Um dia desses, há mais ou menos três semanas eu estava na cantina da universidade especulando com uns amigos sobre quem seria a pessoa famosa mais idosa ainda viva. Sem contar o Papa, claro, devido às especulações sobre o fato de ele ter sido substituído por um robô que do original só tem a pele. Dercy Gonçalves, Tonia Carrero e Paulo Autran, dinossauros do teatro brasileiro foram rapidamente lembrados. Hebe, que atuou na primeira transmissão nacional de televisão, em 1950, também. Walter Mathau e aquela velhinha simpática que fez Conduzindo Miss Daisy já bateram as botas, senão certamente seriam lembrados. Mas ninguém lembrou de Ronald Reagan, um ícone dos anos 80 que voltou a estar em evidência nos últimos dias por ter batido as botas, o que no caso de um ex-ator e ex-cowboy-na-casa-branca (cargo atualmente ocupado por Bush) é muito mais do que figura de linguagem.

No tempo em que Reagan estava caçando comunistas no Afeganistão ou vendendo armas ilegalmente ao Irã para depois repassar o dinheiro, também ilegalmente aos guerrilheiros da América Central, minhas aulas de Educação Artística na escola eram quase sempre dedicadas a desenhar mapas e esquemas para a detonação da Terceira Guerra Mundial, coisa que eu e todos os outros alunos da escola achávamos que ia acontecer antes que completássemos doze anos. Na época não sabíamos que desde o fim da crise dos mísseis em Cuba, quando o mundo esteve realmente pela bola 8, os riscos de algum maluco realmente apertar o tal botão vermelho eram muito remotos. Mas vá dizer isso para uma criança de 8 anos...

Com a morte de Reagan morre mais uma parte da minha infância, que começou a ir embora no rastro da frustração deixada por aquela porcaria de cometa Halley. Não que eu nutrisse alguma simpatia por ele, ainda mais que o único filme em que o vi atuar é ¿Em cada coração um pecado¿, de 1942, mas é que ele estava lá por bastante tempo, e ao contrário de alguns de meus bonecos playmobill, ele demorou uns vinte anos para quebrar. Um bom filme aquele aliás, dirigido pelo mesmo Sam Wood que foi o responsável pelos melhores filmes dos Irmãos Marx, além de ter sido um dos diretores de ¿...E o vento levou.¿. Tanto o filme quanto o diretor foram indicados ao Oscar, mas ambos perderam para ¿A rosa da esperança¿, de William Wyler, diretor que ainda levaria a estatueta outras duas vezes, uma delas com Bem-Hur. Dizem que esta é a melhor atuação filmada de Reagan, se bem que aquela cena em que ele, já presidente, foi alvejado por um maluco em 81 era muito mais impactante do que qualquer coisa que ele já havia feito até então. Principalmente porque se aquele sujeito (John W. Hinckley Jr.) tivesse melhor pontaria, os anos oitenta, a minha infância e o mundo poderiam ter sido completamente diferentes. Mesmo porque se Reagan tivesse morrido naquele atentado quem teria assumido a presidência seria Bush (o pai), e ele provavelmente teria metido os Estados Unidos em alguma guerra antes de 84 e não teria sido reeleito naquele ano, porque a economia iria estar em recessão. Como o Bush atual só parou de beber em 86, eu me arrisco a dizer que é possível que se o pai dele tivesse perdido a eleição de 84, ele não tivesse conseguido e hoje em dia, ao invés de estar no número 1600 da Av. Pensilvânia brincando de Dr. Fantástico ele estivesse em uma confortável cela acolchoada tentando afugentar elefantes cor-de-rosa. Maldito atirador vesgo!

Falando em Bush Jr, a máquina da reeleição já está trabalhando a todo vapor para associar a imagem de Reagan à dele através de panfletos, cartazes e programas de TV. Eu pergunto: Por que não mandam empalhar o corpo dele de uma vez e saem em turnê com ele pelos Estados Unidos? Assim pelo menos alguém naquela gangue teria um pouco de personalidade. Aproveitem e empalhem o cometa de Halley também para eu finalmente poder vê-lo.

vale o que está escrito

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