7.6.04

O caso dos dois papeizinhos

Mais uma história para minha autobiografia não-autorizada:

— Alô?
— Lúcia? — o nome não era esse.
— Sim.
— Oi, é o Márcio. Tudo bem?
— Oi, Márcio. Tudo e você?
— Tranqüilo. O que está fazendo de bom?
— Tô aqui no lançamento do livro de minha tia e vou fazer uma performance daqui a pouco — ela era atriz.
— Que bacana. E, escuta, o que você vai fazer depois?
— Eu? Por que?

Como assim? Afinal, já havíamos pré-combinado de fazer algo.

— Ué, queria saber se você não estava a fim de fazer alguma coisa mais tarde.
— Não posso. Depois que sair daqui vou encontrar meu marido e pegar umas coisas na casa de minha mãe.

Marido? Ela não tinha marido. Puta desculpa esfarrapada, pensei.

— Então tá. Depois a gente se fala. Tchau.
— Tchau.

Desliguei o telefone com aquela sensação "que coisa estranha". Mas, afinal, as mulheres nunca dizem claramente "cara, não estou a fim de sair com você, não se enxerga não?". Mais delicadas, elas dizem algo do tipo: "Putz, hoje não dá porque é o Dia da Árvore" ou "Sabe o que é, meu cachorro está muito doente, quem sabe na semana que vem". E, se você for esperto, não liga mais para não ouvir alguma outra frase-bomba de efeito moral.

Por isso, encolhi os ombros e disse para mim mesmo "então falô, não quer, não quer". Já ia dando o assunto como encerrado quando, súbito, me caiu uma ficha. E, olhando para os dois papeizinhos em cima da mesa ao lado do telefone, comecei a entrar em pânico.

Coincidências misturada com estupidez é receita certa para destruir sua dignidade. Uns dias antes desse telefonema, precisava gravar uma locução feminina para um trabalho que estava fazendo em meu estúdio. Só que a voz precisava ser bem jovem, quase adolescente. Como não tinha ninguém com essa característica em meus contatos, sai a caça de locutoras novas para testar e mandar a prova para o cliente.

Pedi uma indicação o Tomas, que é ator e racha o aluguel comigo. Ele me falou:

— Chama a Lúcia. Ela é atriz e faz locuções também. A voz dela é bem isso que você quer.

E foi o que fiz. No entanto, também havia chamado para o teste outra pessoa, uma atriz com quem já havia flertado. O nome dela? Advinha. Isso, Lúcia (que vou chamar de Lúcia II). Então, fiz o teste com as duas, em momentos diferentes. Tudo no maior profissionalismo, claro. Anotei os telefones das duas em dois desse papéis de bloquinhos que servem para a gente anotar as coisas e depois fazer uma puta confusão. Enfim, dois pedaços de papel de mesma aparência, escritos da mesma forma a lápis. Só mudava o sobrenome de cada uma, o resto era igual. E deixei ao lado do telefone.

No mesmo dia, o cliente me informou que havia aprovado a voz de Lúcia. Liguei para ela e dei a boa notícia. Depois ligue para Lúcia II, dizendo que o trabalho não ia rolar. Conversamos um pouco e disse que ligaria depois para marcar algum programa.

Antes de terminar a história, vamos recapitular: duas mulheres de mesmo nome, mesma idade, vozes parecidas, dois papéis quase idênticos posicionados bem próximos um do outro e um idiota fazendo a ligação.

Voltando à história, olhei para os dois papeizinhos e lembrei que Lúcia havia me dito que era casada, com cara que inclusive eu sabia quem era. Já em pânico chequei o número que eu havia discado e... Nãããããããoooooooooooooo... Puta que o pariu idiota de merda não acredito que você fez isso!

Imediatamente, telefonei para o mesmo número para tentar desfazer o mal entendido, se que isso era possível. Caiu na caixa postal, claro. Maldito olho mágico de celular. Mas se eu fosse ela também não atenderia. Afinal, só um cara muito mala iria ligar logo em seguida depois de levar um fora. Deixei uma mensagem meio desesperada na caixa postal, sabendo que nem ela nem ninguém acreditaria nessa história. Eu mesmo não estava acreditando.

Tentei mais uma vez de outra linha. Caixa postal de novo. Caracas...

O Tomas estava em casa, felizmente, e falei:


— Fiz uma puta cagada, me ajuda — e contei a história.

Ele riu muito enquanto dizia "não acredito que você fez isso". Acho que ele só acreditou porque me conhece bem e sabe de minhas "capacidades". Assim, telefonou para Lúcia e explicou minha cagada. Depois me passou o telefone e pedi desculpas a ela, que acabou achando graça de tudo. Ufa! Escapei com apenas alguns arranhões morais.

Acabei não conseguindo falar com Lúcia II naquele dia, o que foi até bom porque o episódio já tinha tirado minha vontade de ter um encontro. Acabei ligando alguns dias depois. Quando perguntei se queria fazer algo na sexta ou sábado ela me contou que andava meio ansiosa porque estava procurando apartamento para ir morar sozinha e que preferia deixar para a outra semana.

Não sei se era verdade ou não. Pode até ser. Mas, na dúvida, não liguei novamente.

Chez Nigro's - Movimento pela Insanidade Coletiva

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