19.6.04

À VISTA

Assim que ele a olhou bem dentro dos olhos, ela sentiu que ele examinava seu peito como uma prateleira de supermercado: alguns medos em conserva, angústias em lata, frustrações defumadas. Amizades de consistência firme, algumas com prazo de validade vencido, alegrias a granel, tristezas embaladas à vácuo. Uma saudade torrada e moída, um saco de felicidade empoeirado. E, ora, ora, desejo suculento e fresco, aroma maduro. Isso.

Ela exigiu que fosse à vista, cash. Não, nada de cartões de crédito. Isso de esperar trinta dias, e quem sabe receber só o pagamento mínimo, ainda que o saldo esteja posteriormente sujeito à cobrança de juros e correção monetária, não lhe agradava. Cheque, nem pensar. Entrega-se o produto, esvazia-se o estoque e depois não há compensação. Consignação? Não, também não. O produto é perecível e para consumo imediato. Se acondicionado fora das condições recomendadas pelo fabricante se deteriora rapidamente. Tem garantia, claro, mas só contra defeitos de fábrica. Não aceitamos devolução.

Vou levar.

Assim que ele a tomou nas mãos e sentiu o peso, achou que o pacote poderia estourar.

E quem discute?

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