4.8.04

Encontro Marcado

Quem você pensa que é para aparecer em uma hora como esta? A gente não combinou que você só apareceria na minha frente na próxima década? Não interessa o que eu disse. Não me venha com desculpas e não ouse esfregar na minha cara tudo que eu falei sobre estar preparada para enfrentá-lo... Ei, é você mesmo? Está tão diferente... Diferente, oras! Num tom estranho e... Putz! Desculpa... Não sei mais se você é você. Eu vou embora daqui. Devo estar vendo coisas, pensando bobagens, misturando os reflexos do espelho e me afundando em pensamentos saudosistas e inúteis. Adeus pra você e... Não. Espera. Vem aqui... Deixa eu ver você direito. Hum... Forte, longo, grosso... Hum... Eu gosto de você, sabia? Não de você, especificamente. De você, especificamente, eu preciso pensar. E não venha querer parecer o que você não é. Você nunca foi disso, eu nunca fui disso. Tenho que admitir que você nunca me deu trabalho, apesar do tempo e do meu temperamento. E eu sei que, na medida do possível, nos entendemos... Mas é claro que estou surpresa! Por que não estaria? Por que eu tenho que ser diferente do resto do mundo? Eu sei que eu disse que não seria assim, que seria simples e tão natural como sempre você foi... Já falei pra não esfregar meu passado na minha cara. Céus, é você mesmo, não é? Eu não acredito... Por que agora? Por que justo agora que o meu coração está tranquilo, meu corpo e minha mente estão em paz, apesar dos pesares? Por que? Por que não esperou para nos encontrarmos na data que combinamos? Ah é, é? Não combinamos nada? Anh... Sei. Eu? Nunca! Você entendeu tudo errado. Não foi nada disso... Eu nunca disse que você podia vir. Posso ter dito que não sofreria se você viesse, mas não que estava com cabeça para recebê-lo agora... Quer saber? Sai daqui! Não quero mais olhar pra você... Suma! Desapareça... Ei, ei... Espera... Cadê você? Cacete... te perdi. Onde você está? Droga... Hum... Vai querer brincar de esconde-esconde, é? Só por que, por enquanto, você é único? Não esqueça que, se me der na telha, faço você voltar a ser só mais um no meio de uns cem mil. É... isso mesmo. Falo o que eu quiser e mudo de idéia a hora que eu quiser. Sou uma traidora de mim mesma e você pode deixar de existir a hora que eu bem entender. Duvida? Você pensa que eu não tenho coragem, mas pra tudo há uma primeira vez e a sua também pode estar próxima. Não me provoque, porque senão eu... Volta vai... Quero ter certeza de que você está aqui. Não me pergunte o porquê. Só quero tocá-lo mais uma vez e... Ah-rá! Achei você! Nem pra se esconder direito você serve... Quem diria? Achei que estaria tão fraco quando viesse, que mal teria forças para se fazer notar... E não pense que terá poder sobre mim. Tiro você da cabeça a hora que eu quiser. Ah, não? Quer ver? Não me ameace... Eu sei que fiz promessas falsas, mas me esperar atrás da porta de um banheiro não foi nada delicado da sua parte... Não, não tenho coragem de destruir você... Daqui pra frente vai ser assim pra sempre? Eu sei que será... Os sinais serão mais fortes. Eu sei. No fundo, no fundo você dá medo... E não era pra sentir? Não é à toa que passa tanto tempo camuflado, escondido, caído por aí... Você é um grande susto para qualquer mente distraída. Isso sim... Eu adoraria poder olhar pra você e honrar meu discurso de que agiria normalmente na sua chegada, mas pensando bem... Há! Não vou olhar, não vou questionar o que eu fiz ou deixei de fazer, não vou correr para segurar uma existência que eu não compreendo. Vou fazer como faz toda mulher que ignora a crueldade das marcas. E dane-se que a lenda diz que você volta com um exército quando jogado fora. Você vai morrer para os meus olhos e para a minha consciência, mas, não se preocupe, a dor será só minha. Você? Você está morto desde o dia que virou folículo seu... seu, seu... maldito primeiro fio de cabelo branco!

no espelho do Licor de Marula com Flocos de Milho Açucarados

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