23.9.04

No Morrão

Aproveitei minha hora do almoço para subir ao Morrão. Engraçado: tanto tempo sem mais nada para fazer, e nunca me ocorrera subir até lá. É verdade que a total vadiagem me constrangia, impedindo-me de desfrutar totalmente do ócio. Mas agora trabalho, passo o tempo lidando com grandes questões, então na hora do almoço eu tenho o direito de ser totalmente vagabundo. Assim sendo, subi ao Morrão.
O Morrão fica na rua de cima, e não se chama Morrão, é claro: chama-se Praça Maestro Assis Republicano. Nome bonito para um lugar que é só uma elevação com uma rua embaixo, uma rua em cima e uma escada no meio para unir as duas; enfim, um morrão, como bem o chamamos por aqui. Subi, pois, o escadão imenso ("imenso" é um pouco demais, mas eu subi de dois em dois degraus e ao chegar lá em cima mal me agüentava em pé) e me sentei num dos bancos, um livro nas mãos, para passar meia horinha de ócio.
Quando eu e meus irmãos éramos crianças, vez em quando meu pai subia conosco ao morrão. Lá de cima mostrava os pontos interessantes daqui de perto (a escola, a fábrica da Seven Boys, a igreja) e lá de longe (o prédio do Banespa, as antenas da Paulista). Chegando lá em cima hoje, me dei conta de que era minha primeira visita ao Morrão desde aquela época. Está diferente: a rua foi asfaltada há anos, e agora há bancos em cima e um playground e um campinho de futebol lá embaixo, enfim, Dona Marta resolveu transformar o Morrão em praça de verdade.
Eu sei, eu sei: este já é o terceiro parágrafo e a história ainda não começou. Eu tenho esse problema, sei muito bem. Mas prometo que a história começa no próximo parágrafo. Querem ver?
Estava eu lá meio lendo, meio olhando a paisagem, quando um menino de uns cinco anos veio se aproximando. Trazia nas mãos uma bola verde, grande, de borracha.
(Viram? Começou a história).
O menino veio vindo e eu já sabia que ia falar comigo. Crianças sempre falam comigo.
— Eu sei chutar essa bola, sabia?
— É mesmo?
— É!
— Sabe nada...
— Sei sim, ô!
— Quero ver — botei o livro de lado. — Só não vá chutar a bola lá pra baixo.
Todo mundo conhece o efeito de um "não" sobre a mente infantil: foi justamente lá pra baixo que ele chutou a bola.
— Te avisei... E agora, hein?
— Hum... Agora eu vou chamar meu pai pra ir lá pegar.
Saiu correndo para casa, e eu fiquei rindo sozinho da esperteza do moleque. Voltou acompanhado da irmã pouco mais velha, que se dispôs a descer o escadão para buscar a bola do caçula. Já ia começar a descer quando aquela voz grave, meio rouca, chamou:
— ÁGATA! Aonde você vai?
Era a mãe dos dois. Ah, a mãe dos dois! Morena alta enfiada num shortinho branco que contrastava com as coxas bronzeadas e mais do que surgeria o formato e firmeza da bunda que lutava por esconder. Os peitinhos miúdos estavam soltos dentro de um top que era pouco mais que uma fita branca envolvendo-lhe o busto, como se ela estivesse embrulhada para presente. Ante aquela visão eu tomei a atitude de sempre: voltei a enfiar o nariz no livro, encabuladíssimo pela presença da mãe das crianças.
Ao final de uma pequena discussão, a morena autorizou a filha mais velha a descer. Então ficou em pé perto de mim, de costas, orientando a menina lá embaixo. Aquela bunda atraía meus olhos, e eu não conseguia pensar em nada para falar com a morena. Nem um "Crianças!", tão propício à ocasião, nada. Ela acabou voltando para dentro. Fiquei por ali ainda um tempo, entretido com o menino que agora me chamava de amigo e me mostrava como conseguia jogar pedras para acertar as pessoas lá embaixo. Eu tinha que voltar ao trabalho, porém, então me despedi dele e desci o escadão.
Não acredito até agora que tão perto de minha casa mora a mulher que anda seminua. Amanhã eu volto.



— Sexista!
— Hum?
— Sexista! CHAUVINISTA!
— Que foi que eu fiz, minha senhora?
— É só assim que você sabe descrever uma mulher? Peitos, bunda, mais nada?
— Peraí, olha a injustiça! Falei em coxas também, e até dei um jeito de enfiar um "busto" no texto.
— PORCO! Você acha que aquela mãe de família é um pedaço de carne, não é?
— É, é. Mas olha: é um BAITA PEDAÇÃO...


Jesus, me chicoteia!

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