23.9.04

Hoje o menino — chama-se Rubens — veio me mostrar sua bicicleta. Disse que deu cinco reais "pro ôme", e ele lhe deu a bike. Estava toda quebrada, o pai consertou. Sentada no banco ao lado estava uma senhora de uns setenta anos. Claro que a velha puxou assunto comigo, velhos gostam de mim:
— Esse menino é doido! Olha como corre com a bicicleta, é perigoso ser atropelado, ou cair lá embaixo. A mãe não cuida, tá lá dentro, deitada. Só véve deitada.
— A senhora é avó dele?
— Sou sim.
— E a mãe dele é sua filha?
— É não. — aqui ela tapou a boca com a mão esquerda para dizer em tom de confidência: — Ela é amigada. Mora com... — Levantou dois dedos da outra mão. Entendi que a morena tem dois homens. Achei justo: queria ver quem é que dava conta daquilo tudo sozinho.
— Ah...
— Então eu fico aqui cuidando dos meninos... Ó lá a irmã dele chegando. Tadinhas dessas crianças...
Nisso o moleque já estava dando voltas de bicicleta pela calçada. Enquanto ele pedalava, parando às vezes para me explicar por que sua bicicleta é tão veloz, a avó continuava:
— Um dia eu ainda dou uma paulada na canela dela, quebro-lhe a perna.
— Sei... — assustado.
O garoto perdeu o controle e bateu num arbusto florido. Chorou um pouco, depois veio trazendo uma flor feia.
— É pra minha mãe.
— Essa aí tá murcha — disse a avó, levantando-se para pegar outra. Enquanto escolhia uma flor mais vistosa, continuou: — Quando eles vieram pra cá fizeram de tudo pra gente ir embora. Mas eu não vou, ora! Aqui é minha casa. Sabe? Logo que eles chegaram esse homem que mora com ela quis bater no meu marido.
— Nossa.
— Pois é. Mas eu não deixei. Deixei nada! E venha ele me encher o saco pra ver o que acontece. Pego assim — fez o gesto de quem destronca a cabeça de um frango — torço o pescoço dele e jogo aqui do barranco.
— Hum.
— Eu não sou daqui, sabe? Sou daqui não. Sou de Guaratinguetá. Vixe, ali é o povo mais ruim que existe, o mais ruim! E eu nasci lá. Aprendi a ser assim também, né?
— Pois é.
— Torço o pescoço e jogo do barranco. Vem ele mexer comigo, quero ver!
— É... Olha, eu vou ali. Preciso trabalhar.
— Ah. Trabalha onde?
— Trabalho em casa.
— Ah, assim que é bom. Vá com Deus, meu filho.
— A-Amém.
Voltei pra casa com medo da velha. Mas amanhã eu volto, é claro.

Ainda no Jesus, me chicoteia!

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