25.10.04

Sex on the beach

Setecentos quilômetros de BR-116 esburacada e chuva, tudo isso ao som de uma fita do Tears for Fears comprada em posto de gasolina, a única música não sertaneja que encontraram na estrada. Trocavam duas palavras a cada 50 quilômetros –ele, ao volante, atento ao tráfego e remoendo, remoendo; ela, fazendo que dormia no banco de passageiro. Casal moderno e sempre repletos de trabalho, passaram seis meses planejando férias sincronizadas, negociando escalas, horários e prazos com chefes e clientes, apaziguando mães preocupadas, arrumando quem aguasse as plantas, alimentasse os gatos, cuidasse dos apartamentos. Agora, depois de um mês de praia, aquele silêncio todo no carro, enquanto as tias fofinhas repetiam, repetiam, repetiam “these things/ that I’ve/ been told/ can rearrange/ my world/ my doubt/ but inside out...”

O plano secreto dele, no dia da partida, era esperar a última noite das férias e propor que fossem morar juntos (com direito a anel, barato mas honesto). Já ela planejava encontrar, na intimidade do ócio e da praia, um jeito de contar que tinha dormido com outro, em viagem de trabalho, mas que o amava. Enquanto ele meio sonhava e meio temia o casamento, ela meio temia falar sobre o amante (com quem meio sonhava). Alugar o tal “chalé” fora uma idéia de jerico, aliás. “Pertinho da praia”, disse a dona. Dois quilômetros, e de morro, constataram os turistas. Na chuva, o forro vazava; ao sol, o teto fervia. Ele, metido a macho, paulistano, recusou o filtro solar: uma semana de bolhas. Ela, usualmente tarada, descobriu que não conseguia furumfar direito com o namorado, por sentimento de culpa. No passeio de escuna, só tocava É o Tchan. O banana-boat virou. O rango local era ruim e caro. Uísque, só Natu Nobilis.

Os últimos quatro ou cinco dias até que foram bons, os dois ponderaram, acostumados ao desconforto ou nostálgicos com antecedência pelo final das férias. Dois dias antes da volta, ele decidiu que faria, sim, a proposta. Foi naquela noite que ela contou. Ele saiu do chalé, pegou o carro, dirigiu até a praia, jogou o anel no mar. Barato, mas o prejuízo doeu, mesmo assim. Dormiu no Uno. Voltou ao raiar do dia, e encontrou as malas prontas e a namorada de cara inchada depois de uma noite de choro. Esqueceram as fitas no chalé, pararam para encher o tanque e ele comprou o maldito cassete das tias fofinhas. Passados 10 anos, ele ainda range os dentes quando ouve “Working Hour”. Da viagem, só aprendeu* que, ao contrário do que dizem os filósofos de botequim e letristas de MPB, o arrependimento pelo que não se faz é muito melhor do que o arrependimento pelo que se fez. (Também aprendeu que, ao viajar com a namorada, melhor levar um iPod. Just in case.)

* Se ela aprendeu alguma coisa? Aprendeu. NEVER kiss and tell.

Noronha, o meditabundo

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