19.12.04

A MISS E O PROFESSOR

Olga tinha se apaixonado por Pedro lentamente.
Ele fora namorado de uma amiga; ouvira falar dele. Conheceram-se, em sala de aula. Num primeiro momento, Olga o achara feio e sem atrativos, mas conhecia a fama de inteligente do professor. Ele proclamou comentários políticos e ela vislumbrou possíveis ventos e trovoadas.

Amo quando te inclinas para frente enquanto escutas atentamente o que te digo. E quando tuas narinas se dilatam roubando oxigênio e tuas pálpebras se erguem expondo as pupilas, demonstrando concentração. Amo teus cílios curtos piscando em intervalos próprios, absorvendo minhas teorias.

Pedro corrigiu a prova de Olga e ela pediu que ele opinasse sobre um trabalho antigo. Queria saber se tinha chances na carreira. Começaram a trocar e-mails e a se encontrar eventualmente, para discutir questionamentos teóricos. Ela referiu um autor espanhol que ele não conhecia e ele pediu o livro emprestado.

Amo quando me achas engraçada e jogas a cabeça para trás numa gargalhada solta, me permitindo adorar as seis obturações da arcada superior e as amídalas escaldadas com o som rouco da tua risada. Amo tua língua presa entre os dentes caninos sempre que esboças um sorriso.

Olga não soube por que tomou aquela atitude, mas ousou dividir sonhos com Pedro, que a escutava com interesse e, com o passar do tempo, também compartilhou anseios, permitindo que ela chegasse cada vez mais perto. Os encontros se tornaram constantes e começaram a almoçar juntos uma vez por semana.

Amo teus cabelos compridos que se enroscam no pescoço e que te dão um ar inglês. E tua face marcada pelas espinhas da adolescência e pela feiúra que te faz sem atrativos. Amo tuas pernas longas, levemente tortas e teu joelho direito que se dobra displicente quando estancas relaxado.

Olga mudou a senha do banco para P-E-D-R-O. Sabia que ele era casado, mas ele telefonou às dez horas da noite, num domingo, dia do próprio aniversário. Pedro sempre correspondia quando Olga o procurava e, na Convenção, dispensou os Doutos para sentar-se ao lado dela.

Amo quando fazes graça, no teu jeito sem jeito, sem talento para comédia, sem sarcasmo e sem deboche. E a ironia escondida atrás das frases curtas, das opiniões sérias, dos comentários serenos. Amo teu pragmatismo, teu raciocínio lógico, teu pensamento congruente: preciso, conciso, conclusivo.

Pedro confidenciou a Olga que gostaria de fazer doutorado. Ela nunca descobriu quem contou à mulher dele que eles almoçavam juntos. Pedro acusou Olga de ser indiscreta e depois pediu perdão. Mas Olga foi quem contou a Pedro da aprovação no doutorado, e eles riram juntos.

Amo teu cavanhaque ralo e teu bigode fino, teus negros olhos pequenos, teu nariz aquilino e tuas sobrancelhas espessas, com os cantos externos caídos. Amo teu corpo magro que induz falsa fragilidade, tuas passadas longas de quem caminha com pressa, quase sempre pulando, de botinas marrom.

Segunda-feira Pedro cumprimentou Olga efusivamente pela troca de emprego, beijando-a. Sábado à tarde, Olga foi tomar sorvete. Pedro parou na frente dela lambendo a casquinha e, na mesa ao lado, debruçou-se sobre a cadeira para beijar a mulher: ex-miss. Saíram abraçados e Olga sentiu o cordão, e desabou no meio da rua.

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