15.2.05

É GIZ NO TACO

A já célebre partida de sinuca que Inri Cristo ganhou de Cacá Rosset tem tudo para ser, numa leitura óbvia e apressada, um embate entre duas teatralidades, a messiânica e a do tablado. Pulando essa curiosidade semântica, é irresistível tentar repensar o simbolismo com cores um pouco mais bizarras e nem por isso inverossímeis. Imaginem, por um instante, que o barbudão de camisola fosse mesmo o Messias e Cacá – na medida em que sua persona performática o permite – o demônio. Ambos disputando os destinos da humanidade.

Como o diabo é o rei da cizânia e da desunião, Cacá abre o jogo estourando as bolas. Depois de vê-las espalhadas pela mesa ele sussurra a Inri: “Amoleço o jogo se aqui, prostrado, me adorardes”. E Inri, passando o giz no taco: “Perdestes a cabeça? Ambiente de sinuca e eu me ajoelhando à vossa frente? O que o pessoal das outras mesas vai pensar?” E Inri mata a bola dois. Cacá tenta novamente: “Se eu acertar a seis na caçapa do meio, dar-me-eis o Vaticano - incluindo os tapetes, a prataria e as reservas do Banco Ambrosiano ”. O barbudão não se intimida: “Vós sois ímpar”. Cacá, envaidecido: “Pois então, não sou mesmo inimitável?”, e Inri esclarece: “Não, estou dizendo que mato as bolas pares e vós as ímpares.” E mata a doze. Cacá: “Se eu matar a três por tabela, permitireis que eu faça o materialismo marxista triunfar”. Inri: “Se conseguirdes colocar o marxismo em prática, tiro meu quipá.” Mas Cacá erra a bola. Inri mata a oito. Cacá não desiste: “Mato a três e a nove de uma só vez e me concedereis a vida do Papa, cuja saúde já anda mesmo pela bola sete”. E Inri: “Não vedes que ele já morreu assassinado a tiros há vinte e quatro anos, e em seu lugar colocamos um sósia – um contabilista paranaense?” De qualquer forma Cacá acerta as bolas. As do jogador da mesa ao lado, ao fazer o bolão espirrar e acertar as partes baixas do cidadão. Ânimos serenados, ele resiste: “Mato a cinco de olhos fechados e permitireis que eu leve o Ratzinger para o inferno”. Inri pensa um pouco, um sorriso lhe ilumina a face e ele: “Topo!” Mas Cacá acerta acidentalmente o ás e perde. Fim do jogo.

E nós aqui, mal sabendo do que escapamos.

Ao Mirante, Nelson!

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