28.3.05

Hey Julie,

Os filhos que eu estou me recusando a ter, hoje, me enlouquecem mais do que seria possível se eles tivessem vindo ao mundo (não, eu nunca precisei fazer um aborto. E não que eu não o fizesse se achasse necessário, mas os acidentes nunca aconteceram, eu sempre morri de medo de engravidar e sempre fui neurótica com sexo sem proteção. Então não tinha mesmo como rolar... Acho. Ou foi isso ou minha brincadeira de dizer que sou estéril é real.).
Engraçado, logo depois de ler seu comentário eu tive que sair para fazer uma endoscopia (pra variar, meu estômago...). Antes de qualquer procedimento médico, a atendente queria saber onde estava meu acompanhante (é impossível fazer uma endoscopia sem ter alguém pra te carregar pra casa depois do exame). Eu disse que ele estava estacionando o carro e ela perguntou o grau de parentesco que havia entre nós. Respondi, ela anotou no prontuário e não parei mais de me perguntar o que aconteceria se eu estivesse sozinha, se não pudesse dispor do tempo de alguém pra me acompanhar em uma hora dessas e, pra piorar, pensei sobre o que você escreveu. Me vi velha, abandonada pelos parentes, louca da alma e da cabeça, sozinha no coração (como sempre me imagino quando penso sobre o pior do futuro) e, dessa vez, sozinha na sala de endoscopia, sem ninguém pra me guiar depois do exame (sim, porque eu sei que vou fazer endoscopia a vida inteira e se eu ficar velha e sozinha não vão me deixar fazer exame nenhum...). Tudo porque eu não quis ter filhos. Foi uma merda que durou pouco graças ao baque do liquidinho rosa abençoado (eu adoro a sonolência que aquela coisa dá. Só aquilo pra me fazer esquecer do que a minha vida pode, um dia, vir a ser.).
Não sei o preço que eu vou pagar por essa resistência a filhos, mas sei das estranhezas que ela tem causado nos últimos anos, dos surtos esporádicos, das dúvidas infinitas e da tristeza crônica que ela gera. Sei o quanto tem sido difícil arcar com a decisão de me rebelar contra minha natureza, meu corpo, contra as coisas que eu desconheço. Não sei mais se estou certa como sempre achei. Ainda sinto meu egoísmo transbordando quando penso que preciso de uma outra vida para dar sentido a minha. Não acho justo. Por mais que minhas crenças me enlouqueçam, não acho justo.
Não faz muito tempo me vi soluçando feito adulto que engole o choro, só porque tinha mexido no email-me e escrito (sem querer) que já me peguei pedindo para que o destino deixasse algumas de suas crianças na porta da minha casa. "Algumas" foi a única parte do pensamento que me fez parar de chorar para rir um pouco de mim mesma. Questiono meus genes, temo pela escolha paterna, tenho total desprezo pelas crises de origem dos adotados e rezo para ter a chance de criar não uma, mas "algumas" crianças (mesmo que elas não fossem minhas de sangue, mesmo que elas crescessem e surtassem com as crises estúpidas dos adotados).
De verdade eu me odeio nessas horas. Eu sei que seria uma boa mãe. Não dá pra ser uma mãe ruim depois que inventaram o Discovery Healt... E eu adoraria ter filhos... alguns filhos, uma renca de filhos. Adoraria ter o Thor, o Odin, o Bragi, o Apollo, a Gaia, a Vênus e a Alethea (toda garota pensa nos nomes. Me deixe!) E talvez eles fossem realmente a minha salvação, mas aqui dentro de mim, nunca deu pra arriscar. Acho que é porque eu não suportaria saber que eu lhes daria a vida, mas não teria como evitar que eles conhecessem a morte. Acho. Acho mesmo sem querer achar mais nada sobre essa história de ter ou não ter filhos. De qualquer forma minha querida Julie, teu conselho é um ótimo conselho para mulheres que queiram manter a sanidade, a casa cheia e garantir que sua endoscopia seja feita. Obrigada por querer o meu bem, mas algo me diz que meu tempo acabou.

Licor de Marula com Flocos de Milho Açucarados

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