23.3.05

silêncio

não colocaram no dicionário o que é isso. não é saudade.
não é lembrança. parece com reminiscência. mas não é resto, não é pedaço. não é inteiro. é um clima do mundo. é o ar do mundo quando estávamos juntos. o ar do mundo depois da sua presença. o hálito que o seu nome sopra, nublando o jeito das coisas. o meu corpo.
essa massa irrigada pelo teu nome, é tudo isso o que continua.
algo intraduzível por um sentimento. por um modelo teórico. o que acontece depois de alguém cruzar a sua ponte, o que acontece depois que alguém entrou nos quartos. no colo das mãos. nos ombros.
você tenta voltar ao museu privado de idéias antigas e de palavras, jeitos, posições, modos de andar e de ver, toda a cultura gestual e a memória olfativa que havia em você antes do outro aparecer, mas você não consegue escutar, essa música se perdeu.
você esboça. e nada. não há nada e mais nada. houve a contaminação, das suas palavas, dos olhares, do suor, da maneira de rir ou de andar, de coisas ditas, servidas, ocultas, subtraídas para você. medidas pelo seu gosto, pelo que você queria ou poderia ouvir.
como dizer que visitou um país se você não se lembra dele, a não ser por curvas de montanhas, pelo gosto de um chocolate caseiro que nunca mais você vai molhar naquele chocolate de uma mulher que vai morrer longe de onde passam seus pés?
o que importa isso?
o que importa isso e o que poderia nisso, ser chamado de dramático?
se é alguma coisa que não cabe na dobra de um lenço?
se é alguma coisa que escapou da folha de papel e cruza sua vida de tantas formas, aparecendo quando você se movimentou, num conto que você escreveu? a noite escura, de um sonho cheio de imagens, teatro sem vestígios, atores mudos.
a neve nos telhados, acumulada, pesando a cada inverno.
a casa sentindo o peso, mesmo agora, no pôr do sol da primavera.
rachaduras, farelos da massa de concreto que cedeu.
um gosto de bebida?
qual era o nome daquele drink que você pediu?

Nove de Copas

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