12.4.05

O maior mico da minha vida...

Aconteceu já tem um tempo. Uns anos.

Eu precisava ir ao oculista. Consulta de rotina, confirmar o grau para fazer óculos novos. Nada de mais. Como tinha o convênio da empresa da minha mãe, pedi para ela ver entre os colegas dela se alguém tinha alguma indicação.

Dias depois, ela me trouxe um nome e um telefone. Ótimo. Liguei, marquei consulta. Nada de mais.

No dia da consulta, lá vou eu, feliz e contente. Só uma consulta de rotina com um oculista, nada para preocupação. Ou não...

Chegando ao consultório, já começaram os fatos estranhos. Não parecia uma sala de espera normal. As pessoas estavam tristes, cabisbaixas, deprimidas. Extremamente preocupadas. Algumas olhavam para mim com um ar compungido, e eu não entendia porque. "Mas é só uma consulta com o oculista... tanto drama por causa de um problema de visão? Eu, hein...".

Não demorou muito para chegar a minha vez. O médico abriu a porta do consultório e chamou meu nome. Quando me levantei, ele demonstrou surpresa e o mesmo ar de pena do pessoal da sala de espera: "Você veio sozinha??". Balancei a cabeça afirmativamente. "Ora bolas, para que eu ia precisar de companhia em uma visita ao oculista?".

Ele se sentou, suspirou e atirou a pergunta, como se temesse a resposta: "Então, por que você está aqui?". Eu, sem mais rodeios, tirei a última receita com o grau dos óculos antigos da bolsa e coloquei-a sobre a mesa, com a explicação simples e direta: "Bom, é que já faz tempo que eu não confiro o grau, e preciso fazer óculos novos..."

Ele pegou a receita com um ar intrigado. Subitamente, pareceu compreender toda a situação. Olhou para mim como que contendo o riso, provavelmente em uma tentativa – inútil, mas bem-intencionada – de não me deixar constrangida. "Eu acho que você se enganou... eu não sou oculista, sou oncologista".

A palavra ficou ressoando nos meus ouvidos. "Oncologista, oncologista... caramba, o que é que eu estou fazendo aqui??????"

Para quem estiver em dúvida, oncologista é o médico especialista em câncer. E o que é pior, o cara era oncologista cirúrgico. Ou seja, o tipo do médico que só se procura quando tudo o mais já está perdido...

De repente, tudo começou a fazer sentido. O ar pesado da sala de espera, o olhar compungido da secretária, a pena do médico ao me ver entrar sozinha para a consulta. Olhei ao meu redor. Como eu não havia percebido antes? Passei os olhos pelos livros na estante: ‘Câncer na Boca’, ‘Câncer no Estômago’, ‘Câncer na Laringe"... a maca, para que diabos haveria uma maca em um consultório de um oculista??? E aquela máquina esdrúxula para exames oftalmológicos, como eu não tinha percebido que não havia uma ali??

Eu queria sumir. Queria que o chão se abrisse e me engolisse. Comecei a sentir um calor tremendo, imaginei que meu rosto devia estar um pimentão. Acho que nunca me senti tão idiota em toda a minha vida...

"Eu sei por que você se confundiu... é que a lista de oncologistas vem logo em seguida à de oculistas no livrinho do convênio...". Ele tentava justificar o injustificável.

"Vou te recomendar um oculista muito bom, um amigo, o consultório dele é aqui pertinho...". Eu já nem ouvia, só queria me levantar e sumir dali.

Ele me entregou o papel com o endereço do tal oculista. Eu peguei, agradeci, virei as costas. Tentei fazer a cara mais tranquila possível, algo assim como "enganos acontecem... que coisa mais curiosa...", mas é claro que a minha expressão denunciava o quanto eu estava me sentido a criatura mais tapada do universo.

Saí direto, sem olhar para os lados na sala de espera. Eles não sabiam, mas a minha cara de desconcerto certamente denunciaria tamanha estupidez.

Saindo do consultório, inventei de olhar para trás. Maldita hora. Só pra piorar as coisas. Uma placa enorme na porta dizia em letras garrafais: "Dr. Fulano de Tal, oncologista cirúrgico". Por que diabos eu não vi essa placa na entrada? Distraída tudo bem, mas assim já era demais...

Saindo do prédio, sentei na escadaria e fiquei lá, uma meia hora, rindo sozinha. As pessoas passavam e não entendiam nada. Mas eu entendia.

Eu tinha uma mera miopia. E isso era muito, muito bom...

Um mico by Renata

Nenhum comentário: