12.4.05

What will survive of us is love

“Ridículo” era uma das tuas palavras prediletas –como qualificativo, admoestação, crítica e premonição, era raro que uma conversa passasse sem que você a empregasse, com aquele teu estranho “r” que não tinha o ronco do RR e nem era suave como o R brando. Quando a gente via anciões de 30 anos se comportando bizarramente, você sempre me olhava e me fazia prometer que não, a gente não seria ridículo daquele jeito quando atingíssemos a vetusta idade daquela gente patética. Ou, me golpeando com o punho que ostentava um dedo médio saltado à maneira de soco inglês (aqueles socos doíam, ô), cê me encarava com severidade prussiana e ordenava “não seja ridículo, menino”.

No limiar da autonomia, a gente encarava o mundo adulto com um fascínio horrorizado –os rituais de acasalamento, a necessidade incontrolável de contar vantagem, o comportamento bizarro em cerimônias, a liberdade material e a ausência de disciplina que, estranhamente, pareciam torná-los tão mais infelizes. Porque a gente lia muito, e aqueles romances “naturalistas” todos em que um narrador explica tintim por tintim, em terceira pessoa, o que se passa nas cabeças, almas e encanamentos dos personagens, a chusma que observávamos parecia estranhamente unidimensional, rude, grotesca, meio pintura rupestre. E porque acreditávamos devotadamente nessa “vida interior” riquíssima que os livros expunham, não era exatamente como antropólogos aos selvagens que observávamos a estranha fauna –havia uma certa repulsa, de nossa parte, um fascínio meio horrorizado. Eles eram todos, para resumir como você resumia, “ridículos”.

Sabe, B., eu agora tenho a idade que eles tinham e –talvez em função da tua ausência- não consigo evitar meus momentos de ridículo. Às vezes, chafurdando nele, fico imaginando se as coisas poderiam concebivelmente ter sido diferentes, caso você tivesse sobrevivido. Mas o dirty little secret que vou te contar aqui, com atraso de quase 20 anos, é que a consciência de que estamos sendo ridículos não evita que o sejamos. A crueldade com que você e eu classificávamos todo mundo era privilégio do nosso isolamento: da janela do apartamento, quase todo mundo parece gordo na piscina. Lá embaixo, baby, você descobre que é um dos caras que ficam segurando a barriga.

Do alto de sua prussiana empáfia, é bem provável que você nem lembre da Dri, aquela namorada magricela que demonstrava amor por mim com cartões desenhados a mão contendo promessas tocantes e ortograficamente pobremáticas de fidelidade e paixão (ou, como escreveria a Dri, “paichão”). Well, ela te odiava, anyway. Dizia que era fácil achar todo mundo ridículo, sendo loira, gostosa e rica. Eu sempre descartei as críticas dela classificando-as sob a rubrica “ciúme”. But she had a point there, didn’t she? Porque em meio à tua profusão de paqueras, namorados, enroscos e casos eu era a constante da tua vida, vai ver que eu me achava loiro, rico e gostoso honorário, nem sei. Fact is, I wasn’t.

Quando saí de casa para uma cintilante carreira de garçom/aspiring musician/bad college undergrad, combinamos aquelas coisas patéticas que os jovens costumam, entre as quais reencontros a cada cinco anos –e porque você seria a melhor arquiteta do mundo e eu um astro-pop-sem-ser-mongo, aproveitamos logo pra marcar esses encontros em Firenze. Sonhar baixo, afinal, é coisa de ridículo. Não sei se acidente de automóvel aos 18 anos mereceria tua palavra predileta, baby, mas meu mundo ficou muito mais pobre e muito mais ridículo sem você. Quando vou a Firenze e passeio pelo Boboli, meus olhos se enchem de lágrimas e meu coração transborda de lembranças tuas. As meninas de 13 anos maquiadas como se fossem piranhas e acendendo um cigarro no outro que ficam na porta da escola ali perto talvez me vejam passar com os olhos vermelhos e comentem “ih, olha que turista ridículo”. Você, no prussiano céu de arquitetura impecável que inevitavelmente deve ter projetado e executado nesses 18 anos de ausência, decerto ouve e rola de rir.

Filthy McNasty

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