13.1.06

Passa-anel

Trilha de roupas pelo chão da casa, meu caro Watson, quase sempre quer dizer que o crime acontece no quarto. Balé esquisito, marmanjo tentando tirar a roupa enquanto avança a caminho da cama e decifra lentamente os botões-da-bruza-que-você-usava (assim, pulando em um pé só com um braço em torno das costas dela e a outra mão brigando com a segunda perna da calça, enquanto ela dá aquela famosa reboladinha que faz descer a saia, mas dessa vez a saia não desce). Luxúria, concupiscência, um pecado qualquer de nome feio que precisa ser cometido com o mínimo possível de preliminares. Na passagem pela sala, ele teve tempo de socar o controle remoto, e os dois chegam ao quarto quase nus e ao som oh so inappropriate das variações para piano solo de Webern (ela: “alguém tá torturando o piano”), e caem na cama como um maremoto.

Três minutos ou três horas mais tarde ela sofre um acesso de riso incontrolável, contagiante. Ele sente que não é a causa da hilaridade, e ri junto mesmo que não entenda a piada. A cada vez que ela tenta parar e dizer alguma coisa, o riso volta, dentes brancos brilhando no escuro do quarto. “That bad, uh?”, ele diz, e ela ri e dispara um desses soquinhos de menina. “É que...”, e ela continua rindo, enquanto ele caminha no escuro até a cozinha e volta com um copo d’água, pede pra ela fechar os olhos, acende a luminária, rouba uma bisbilhotada rapidinha no corpo branco e luminoso que ela exibe por sobre as cobertas. Ela bebe um gole, sem nenhum indício de modéstia, e ele é que termina procurando o refúgio dos lençóis. “E aqui é o quarto”, ele diz, com voz de locutor e um gesto largo de corretor de imóveis, reativando a maquininha de risadas.

Quando ela pára de rir, pede desculpas. “Não estou rindo de. Você sabe”. Ele sabe, acena que sabe, diz que sabe, beija que sabe. “É que. Tanto tempo. Tanto, tanto tempo”. Ele faz que sim. “Você sabia que ia ser assim? Assim, tão...” Ele volta a fazer que sim. “E mesmo assim você nunca...” Ele dá de ombros: “Timing é tudo na vida”, diz, e acaricia o rosto dela, furtivamente. Na tentativa de impedir que ele interrompa a carícia, ela estende a mão esquerda, de seu esconderijo por sob o lençol. À luz da luminária, a aliança brilha. Os dois se apanham olhando para o anular da mão com que ela segura a mão dele contra o seio. Ela tira a aliança, coloca na mesinha de cabeceira. Ele fica sem jeito. “Deixa de ser tonto, meu”, ela diz, zombando do patois paulistano que ele não consegue deixar de empregar. Ele finge que ri, sem graça. Ela acrescenta: “I mean it. Nós dois sabemos perfeitamente o que estamos fazendo”. Silêncio. Ela olha nos olhos dele, preocupada. Ele hesita, mas sorri: “Eu sempre quis fazer de você uma mulher desonesta”.

Filthy McNasty

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