QUINTA (6/4), 16h30, GUAÍBA, PORTO ALEGRE
Eu cheguei às 16h30 na Usina do Gasômetro para ser fotografado pelo jornal Zero Hora. O vento estava morno, fazia o rosto vibrar entre as cordas dos cabelos. Um senhor comentava para três brigadianos a cavalo: - ela diz que a água está quentinha. "A água está quentinha!"
Ela é uma menina bonita, sei apenas isso até agora, que largou na margem o moletom rosa, a bolsa de pano e as sandálias Azaléia e decidiu mergulhar no Rio Guaíba poluído e perigoso para o banho. Foi de jeans e camiseta. A área é pedregosa e cheia de buracos. Ela não estava interessada em riscos. Ficou boiando de costas, perto de um bar flutuante, em que conversava com os freqüentadores. Os passantes começaram a brincar e apontar para a excentricidade do entardecer, como se ela fosse um avião voando rente dos edifícios. Com malícia, alguns queriam ver como ela deixaria a água. Com medo da tragédia, muitos pediam para que ela saísse logo da água.
Um dos brigadianos disse para um grupo de curiosos: "deixa ela lá". Ouvi bem, mas não entendia o que estava acontecendo. As patas dos cavalos separando a grama, girando nas encostas. Os brigadianos não se aproximaram dela, não a coibiram, não gritaram para que voltasse, não avisaram dos riscos. Acharam natural, assim como é natural enrolar papel seda na beira das pedras, assim como é natural jogar sujeira no rio, assim como é natural esperar o pôr-do-sol. A menina bonita era uma banalidade que não merecia repreensão e resgate. Não merecia sequer um telefonema. Não merecia.
O banho durou vinte minutos. Ela de repente esticou a mão esquerda, onde poderia ter uma aliança se pudesse casar um dia. Ela naufragou rapidamente e sumiu na sucção escura. Dois homens pularam na água e rodearam o local da desaparição. Deram braçadas desesperadas, em voltas. Não havia mais ligação da carne dela com a superfície.
Percebendo o tumulto, os brigadianos vieram para socorrer. Mas era tarde. Sempre é tarde para descobrir que é tarde.
Restava a sua bolsa na terra. As anotações do curso de informática que estava fazendo, o celular com a última ligação para sua tia, os documentos e adesivos de adolescente. Até a carteira de identidade era uma cópia xerox da verdadeira identidade, talvez perdida. Seu nome era Tatiana Pereira, 16 anos. Era. A menina bonita que sorria da travessura na espuma voltou de bruços para areia, inchada, triste e dolorida. Diferente. Infelizmente morta. Não irá ao seu próprio aniversário depois da Páscoa.
Toda dia acordarei com a certeza de que poderia ter feito mais do que olhar. Poderia ter sido um pouco mais do que omissão de viver o que me interessa e não se importar com os outros.
.:. Fabricio Carpinejar .:.
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