10.8.06

mais uma da série "meus amigos taxistas"

era um dia qualquer da semana e eu peguei uma carona do meu cliente até a av pompéia, fiquei num ponto de táxi na frente do hospital são camilo. entrei no primeiro táxi da fila e expliquei que vinha pro cambuci. o moço me pergunta "a senhora tá bem de saúde, tudo direito?". sim, eu disse, expliquei que fiquei ali na frente do hospital só de carona mesmo. o carro dele era simpático: meio antigo, mas bem limpo e arrumado.

fico com meus pensamentos um pouco, remoendo meu atual problema de stress por conta do meu perfeccionismo excessivo, de trabalho demais, etc. e eu, que não sei ficar pensando quieta, pergunto: o senhor está trabalhando desde que horas? "desde as 4 da manhã, moça" (são 9 e meia da noite), "e só largo lá pras 11 ou meia-noite". eu disse "caramba! até chegar em casa o senhor deve demorar, como o senhor dorme pouco!". ele ri e explica "não, moça, eu moro aqui mesmo, nesse táxi, eu literalmente durmo no ponto!".

peralá. como assim, ele dorme no carro? neste carro que eu estou agora?! olhando melhor, se percebe um certo ar de casa no carro: porta-copos, um despertador "adaptado" no teto do carro ao lado do retrovisor e algumas coisas bem pessoais espalhadas. até um arremedo de abajur tem, mais aqui pro lado que eu estou sentada, atrás. ele me explica que come, toma banho e se ajeita como pode (whatever it means) no boteco ali perto do ponto, o moço liberou o chuveiro pra ele. as roupas ele carrega no porta-malas.

já interessadíssima na história, pergunto: "mas... e sua mulher, família? o senhor tem casa, como é isso?". sentem, que agora é que vem a história.

ele tem seus 55 anos, mais ou menos. foi casado, teve 2 filhos, uma menina e um menino. sua esposa, quando seus filhos tinham 6 anos (o menino) e 1 ano e meio (a menina), decidiu arranjar um emprego "em casa de família" pra ajudá-lo com as despesas, ele era jornaleiro. foi trabalhar na rua lisboa, num apartamento de gente fina. a esposa dele, no fim de um dia de trabalho, enquanto batia papo com a colega e esperava o elevador, abre a porta do dito cujo e entra. acontece que O MESMO não se encontrava no andar e a nossa heroína morreu espatifada no terceiro andar, sendo que ela estava no décimo-segundo. (parênteses aqui para a paula e demais: o mesmo é nosso amigo. se ele estivesse lá, a moça estava viva e essa história não teria acontecido)

depois de conseguir evitar que ele me contasse detalhes minuciosos da posição do corpo da falecida e outros detalhes escabrosos, eu quis saber o que houve. ele ficou com 2 crianças pequenas pra cuidar e trabalhando o dia todo, com não mais que 21 anos. o infeliz tem 6 irmãs, que se recusaram a ajudá-lo a cuidar da menina pequena, dizendo que "criança dá muito trabalho". eu, enxerida: "que vacas...! ops, o senhor me desculpe, sei que é família, mas..." ele não se ofendeu, acho. acabou sendo socorrido pela tia, uma senhora que o ajudou com a menina. o menino foi trabalhar com ele na banca de jornal enquanto não estava na escola.

pouco (pouquíssimo, pelo jeito) tempo depois, diz que uma moça muito bem arrumadinha (sei...) que sempre comprava jornal pro patrão ali com ele todo dia chegou com mala na mão e chorando. resumo: estava grávida e o patrão mandou embora, a pobre não tinha pra onde ir e ai meu deus... ele, bom rapaz que é, acolhe a moça. acolhida a criatura, ele pensa: por que não unir o útil ao agradável? a moça fica aqui, eu a ajudo com o filho que está pra nascer e ela me ajuda com os meus. acordo perfeito! ela gosta da idéia, mas como é moça direita (seeeeeei...) só aceita o acordo se casar, de papel passado. pois eles casam, no cartório com testemunha e tudo o mais. dia seguinte do casamento, quando ele combina de ir pegar a menina pra trazer de volta pra casa e já esquematiza tudo pro menino ficar junto, em casa, a esposa se vira pra ele bem abusada e diz: "e eu tou aqui pra cuidar de filho de outra, é? não senhor, se quiser contrate uma empregada!". bom, pra resumir a história, ele botou a esposa, o barrigão e seus panos de bunda todos na rua e esqueceu do casamento. diz que mais de 20 anos depois ela veio pedir o divórcio e ele até deu, porque ficou com pena (a santa queria casar de novo), desde que não precisasse ver a cara da ingrata. dei até parabéns pra ele, praticamente bati palmas!

bem, a continuação da história é que ele continuou sozinho, os filhos cresceram. a menina já teve dois filhos que ele adora e "ela pede dinheiro só de vez em quando, sabe? eu dou", me conta. o menino, por outro lado, já é um marmanjo de 30 e vive rodeando o pai, pedindo dinheiro, é vagabundo. por isso mesmo ele deu esse jeito de morar no táxi (pelo menos durante a semana: de fim de semana ele vai pra sua casinha em pirituba): desse jeito não tem ninguém querendo morar com ele e nem enchendo o saco. não quis casar mais (não me admira), e quando alguma namorada vem com história de casar ele logo oferece: "vem morar comigo no táxi, princesa!". nenhuma aceitou, até hoje.

zel

Nenhum comentário: