5.9.06

O stand-up da montanha

O judeu, pois, vendo as multidões, subiu ao monte; e aproximou-se a platéia, e ele pôs-se a fazer seu stand-up, dando início a uma tradição étnico-vocacional que iria durar uns bons dois mil anos ou mais:

“Bem-aventurados os humildes de espírito, esses seres geniais – até porque restam pouco de nós hoje, hm?” E eis que um dos discípulos bateu os pratos da bateria, e eis que a platéia riu. E o judeu prosseguiu:

“Bem-aventurados os que choram, porque pagar seis shekels no mercado por um cabrito para o Pessach não tem base. Por Javé, há que se pechinchar!”

“Bem-aventurados os mansos, principalmente os que chegam em casa e pegam a mulher na cama com um centurião romano: dar uma de bravinho numa hora dessas é passar pelo fio da espada, na certa.”

“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque permanecerão com a silhueta que pediram a Javé, ao invés de engordar comendo ou bebendo bobagem”.

“Bem-aventurados os limpos de coração, porque coronária entupida é o fim”.

“Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados por termos inomináveis pelo lobby da indústria bélica mas poderão posar de esquerda chique.”

“Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque haverá um tempo em que será totalmente in ser presidiário, e ainda por cima controlar uma rebelião sem sequer sair da prisão”.

“Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem, perseguirem e disserem todo o mal contra vós por minha causa, pois podereis retrucar ‘ei, eu vi o primeiro stand-up dele e já percebi que não tinha a menor graça!’ “

E a todas estas se ria muito a multidão, e o judeu continuava:

“Vós sois o sal da terra; os sírios são a massa; os egípcios a calabresa; os bretões a cebola e os gregos as azeitonas: cuidai que os romanos estão aí a inventar um novo prato para patentear e comercializar no futuro.”

“Vós sois a luz do mundo – então virai um pouco para lá, pois nada pior na hora de fazer um stand-up do que o facho do holofote na cara.”

“Não pensai que vim destruir a lei ou o que disseram os profetas: os escribas semi-analfabetos já cuidam disso.”

“Ouvistes que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vos digo que todo aquele que sequer olhar para uma mulher para a cobiçar deverá pensar antes nas juntas de bois, nos côvados de terra, nas vinhas e nas oliveiras que a esposa levará depois do divórcio – e então aquietará seu cajado.”

“Se o teu olho direito te escandaliza, arranca-o fora. Se tua mão direita é motivo de escândalo, corta-a e a lança longe de ti. Mas pára com os escândalos por aí, ou esta auto-flagelação reduzir-te-á a um bizarro homem-tronco”.

“Ouvistes que foi dito: Olho por olho e dente por dente. Eu, porém, vos digo que a qualquer um que vos bater na face direita – sinalizando pois um desafio para duelar – optai pelo velho olho por olho e dente por dente mesmo, que é mais prudente acabar cego e banguela do que perecer em um duelo ridículo”.

“Ouvistes que foi dito: Amarás ao teu próximo e odiarás ao teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai vosso próximo, odiai vosso inimigo e contai com um bom advogado”.

“Olhai as aves do céu, que não semeiam, nem guardam provisões, pois já têm quem faça isso por elas. Olhai os lírios do campo, que não trabalham nem fiam, pois sabem que há quem proverá tudo para eles. Ou seja, acabais de ouvir a primeira metáfora para a mãe judia”.

E mais e mais a multidão se ria, e a cada bem-aventurança do judeu o discípulo batia os pratos, e cada vez mais a platéia se animava. Eis então que o judeu foi chamado a um canto por um homem, que lhe apresentou um cartão, disse ser um agente e pediu ao judeu para procurá-lo na segunda-feira. Entretanto ele advertiu: “Só cuidai para evitar piadas com a mulher de Herodes. O stand-up que te antecedeu, o Batista, incorreu nesta imprudência e pediram a cabeça dele.” E o judeu cochichou ao agente: “Tu sabes que stand-up é mesmo um martírio. Quando não são pessoas influentes se incomodando com o que dizemos, é a crítica nos crucificando”. E eis que o judeu guardou o cartão do agente e voltou à montanha; e assim prosseguiu, dizendo à multidão:

“Quereis agora ouvir a piada do bom samaritano ou a anedota do filho pródigo?”

E a todas estas a multidão se deleitando, pois via que rir era bom.

Ao Mirante, Nelson

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