6.10.06

Da vida e da morte:

Um senhor de cinquenta e seis anos, meu mentor sem querer, meu amigo sem saber, diz-me que perdeu todas as suas amizades. Razões? Irremediáveis. Irreparáveis. Pior de tudo: perenes. Todos os seus amigos morreram ao longo do último ano. Um a um. Ele: cá anda. Na merda, mas cá anda. Estudando, rindo, comendo, sobrevivendo. Faz colecção de selos e possui uma inteligência rara. Tem todas as doenças de uma velhice precoce e mal se consegue mexer. Diz umas piadas, conta umas anedotas, fala de números complexos e ri-se como uma criança. Simpático, triste, afável, é impossível não sentir um mínimo de compaixão. Quem olhar com atenção percebe que falhou a vida, os sonhos. Falhou, mas alcançou a resignação, conseguiu a felicidade. Uma felicidade escassa, débil, talvez efémera, mas suficiente. Pelo menos, por agora. Já a minha avó não me parece ter atingido esse reconforto. Na semana passada, passei lá por casa e vi uma mulher deitada, doente e desanimada. Sem sorriso, sem humor e sem esperança. Com o cabelo por pintar. A minha avó, para quem não sabe, para quem não viu, para quem não me conhece, foi o meu grande amor. É o meu grande amor. Hoje, sei que não será para sempre. Ela, não o amor. O meu pessimismo talvez esteja a adivinhar-lhe o fim demasiado cedo. Demasiado depressa. A verdade é que não faço a mais pequena ideia de como continuar a viver depois dela. Se é que haverá mesmo um depois. Mas a vida continua. Ouvi dizer.

Diário de Tiago Galvão

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