7.10.06

dog day afternoon [ou] gangue de nove marginais armados até os dentes com fuzis invade fábrica de jóias de limeira, fazem mais de 40 reféns e matam um

(…)

O Júnior não se ligava em política. Ele era bem mais bonito que eu, tinha um magnetismo interessante. Eu perdi o contato com ele, até que fui trabalhar em Limeira em 1993. Um dia cheguei à rodoviária da cidade e lá estava o Júnior com um carrinho cheio de listas telefônicas.

"O que você está fazendo da vida, Júnior?"
"Peguei esse bico de entregar listas telefônicas!"

Fiquei com um pouco de pena de ver um cara com potencial, um bom vendedor, ali com aqueles livros amarelos e um uniformezinho velho da Telesp. Pensei que ele talvez pudesse me invejar. Não tinha nada que pudesse gerar inveja em alguém, mas eu tinha focado minha vida profissional em TV e estava obtendo algum sucesso. Eu sempre soube que ele ia se dar bem, ele tinha simplesmente a cara de quem ia se dar bem.

Novamente fiquei um tempo sem encontrá-lo. Quando aconteceu foi em uma visita de Paulo Maluf à Limeira. Aí fiquei sabendo que meu amigo Júnior tinha se filiado no PPS do turcão e fiquei um pouco decepcionado. Maluf era candidato ao governo e apostei com o Júnior que ele não levava. Aposamos um almoço num rodízio. Eu ganhei. O Júnior nunca me pagou.

Fui fazer uma eleição municipal para o PT de Piracicaba e sempre que cruzava com Júnior, ele me zoava. Zoava a pobreza e a ignorância dos petistas e de como o PT nunca chegaria ao poder.

Na próxima eleição, trabalhei para o PL em Limeira. Ele encarou como uma virada-de-casaca minha, não entendia o lance profissional da minha atividade, diretor/redator dos programas do horário eleitoral. Nesse mesmo pleito, em 2000, Júnior saiu candidato a vereador. Ele havia se casado com a filha de um empresário do ramo de jóias e achava que podia representar o setor. Tentei dissuadi-lo. Ele pareceu firme, decidido, confiante que ia levar. Teve 71 votos.

Por essa época, ele teve uma filha. Lembro de vê-lo andando pela cidade com carrões, sempre bem vestido, sempre perfumado. Decididamente, um cara bonito.

Logo depois, em novo evento, de novo com Maluf e asseclas, ele me informou que estava se separando, que ia montar uma pequena empresa de jóias e queria tocar a vida, curtir a vida. Ele entrou no Orkut, me adicionou, montou um fotolog que eu sempre espiava, belas mulheres, locais bonitos. "O Júnior se deu bem, eu sabia!"

Ontem, cinco e meia da tarde, uma gangue entra em uma fábrica de jóias daqui. A polícia é acionada e é recebida com balas. Um PM morre no local. Dentro, com a gangue, quarenta e quatro reféns. Seis da tarde, entra no ar o programa A Hora da Verdade, sensacionalista-policial, o programa é comandado por Geraldo Luís, repórter que serviu de inspiração para o meu Geraldo Assis, de Sexo Anal.

Não temos nem dez minutos de programa, toca o telefone e é um ds sequestradores querendo negociar, ao vivo, com Geraldo a saída com vida deles e dos reféns. Nunca soube de nada igual na TV brasileira. Ficamos uma hora e meia ao vivo com os sequestradores falando de dentro da fábrica. Mulheres grávidas e algumas pessoas foram liberadas. O programa terminou e as equipes foram até o local. Depois de muita negociação, os marginais se entregaram e saíram em meio aos reféns, às duas e cinco da manhã, no melhor estilo "O Plano Perfeito", filme do Spike Lee.

Mas "O Plano Perfeito" é um filme americano e os americanos são mais inteligentes.

Hoje, chego na TV e vou ver as imagens. Vejo com cuidado a primeira dupla que foi liberada: uma grávida e um jovem bonito. Sim, era o Júnior. Até então ele estava dentro da fábrica, onde tinha negócios, quando a gangue chegou. Porém, fiquei sabendo na sequência, foram encontradas com ele três barras de ouro, escondidas nas meias e na cueca.

Ele saiu como refém liberado de um crime em andamento com três quilos de ouro escondido.

Por quê?

Teria sido oportunista? Aproveitou a confusão para faturar algum?

Talvez não. Uma hipótese é que ele tenha dado o serviço para a gangue e, quando tudo deu errado, ele ficou incumbido de sair com o ouro para contratar um advogado.

Talvez não tenha nenhuma participação em nada e o ouro era dele mesmo, frio, sem nota, sem documento. "Esse ouro é meu, ia tantar vender para a empresa".

Lugar errado, hora errada - ou não - meu amigo Júnior foi enquandrado em latrocínio, formação de quadrilha, porte ilegal de armas e cárcere privado. Difícil ele escapar de trinta anos de cana.

(…)


Biajoni

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