29.10.06

A Mansão Foster Para Amigos Imaginários

Sala de espera. Meu deus, eu não deveria, mas vou te dar um conselho: NÃO FIQUE FALANDO DE DOENÇA EM SALA DE ESPERAAAA. TENHA MODOOOOS!!! Ao meu lado as senhouras "Meu-genro-é-médico" e "Sofri-onze-intervenções-cirurgicas" discutiram TODAS as especialidades médicas, com descrições muito vivas de tumores do tamanho de bolas de futebol, tumores cabeludos em pernas (eu juro que ouvi isso), baldes de água purulenta sendo retiradas de estômagos, cistos de seis centímetros nas trompas mais variadas, tosses catarrentas, bicos de papagaio, olhos de peixes de água doce e salgada, abscessos que explodem nos lugares mais incríveis, fístulas repugnantes, pústulas cabeludinhas, úlceras sangrentas, visagens, tonteiras, ataques fulminantes e coágulos inoperáveis. Puta merda. Quando numa sala de espera, meu bem, não dê trela pros mórbidos de plantão - enfie a cara num livro, depois vc reclama que não tem tempo de ler - mas, se for conversar, fale de flores, do penteado do Geraaaaaldo, do tempo, das cotovias. Mas não fale de doenças, pelo amor de deus. Já me mata gente que faz do blog um diário íntimo e sempre atualizado de mazelas, acho nojenta essa gente que fica "hoje fui ao médico e ele disse....e aí eu fiz um exame....", pelo amor de deus. Mas enfim, o blog é seu, se eu não gosto eu não leio. Mas ao vivo e a cores? Poupe o mundo da sua inebriante vida pessoal e da sua assombrosa ficha médica. É dum mau gosto indescritível.
(não, não tou falando de contar um ou outro fato isolado, mas tem blog que.... ah, vc sabem, o cara descreve a cor do xixi, santa maria mãe de deus)
De qualquer forma eu tou sentindo tudo que elas descreveram, até minha próstata dói, caras.

*

O Sistema Caiu

Parece nome de livro de economista.
Que sistema?
Como assim "o sistema"?
Quem é “o sistema”.
É Sistema, sistema?
É o sistema solar?
É o sistema Anhangüera-Bandeirantes?
É um sistema operacional?
É um sistema que adota políticas descentralizadoras?
É um sistema que auxilia a preparação e a composição de alternativas às soluções ortodoxas?
O sistema que oprime?
O sistema militar?
É o Sistema Único de Saúde?
Ou é “Senhor Sistema para você – sabe com qual Sistema tá falando?”
Cai-cai-cai-cai, que eu não vou te levantar.
The Sistema left the biulding.
O sistema subiu no telhado.
O sistema já foi tarde.
O sistema era tão moço, tão bom filho.
Se o sistema caiu, ele que aprenda a levantar.
“Ama, com fé e orgulho a conectividade em que nasceste! Criança! Não verás
nenhum sistema como este! Olha que servidores! Que aplicativos! Que bancos de dados! Que links!”
O sistema caiu.
Machucou?
Fez dodói?
Quando o sistema casar, sara.
Quebrou algum osso?
Alguém acudiu?
O sistema caiu de maduro.
O sistema descansou.
O sistema foi em paz.
O sistema parecia tão sereno, parecia estar dormindo.
Cai, cai, sistema, cai, cai sistema, aqui na minha mão.
O sistema é solar?
É neurológico?
É nervoso, coitado?
Cai onde, como foi?
Escorregou no xixi do gato, caiu, bateu a cabeça?
Torceu o pé no estacionamento do Carrefour e ficou engessado 50 dias ?
Foi mordido por um cachorro furioso, caiu e teve que reconstituir o tendão?
Se estabacou no banheiro, entalou no box, tiveram que chamar a vizinha do 403 pra levar o sistema ao pronto socorro?
O Sistema caiu, quebrou os dentinhos da frente, mas tudo bem, eram dentes de leite?
O Sistema caiu lamentavelmente nas mais recentes avaliações do pessoal?
Despencou do oitavo andar?
Caiu na rede? É peixe?
Caiu no meu conceito?
Caiu em si?
Caiu em desgraça?
Caiu na boca do povo?
Caiu no crime?
Caiu como uma luva?
Caiu na gandaia?
Caiu na real?
Caiu na malha fina do imposto de renda?
Ele que levante, sacuda a poeira e dê a volta por cima

*

Eu, que nunca soube o nome da dor. Eu, que não semeei os campos, que não colhi os frutos, que não mantive o passo, que não errei, que não soube quando errei, que perdi o pé, que trinquei a taça, que sobrevivi ao império, aos meus filhos, ao vento noroeste, que não sobrevivi. Eu, que não escutei a voz da razão, que sabotei a lei das probabilidades, eu que matei, que surgi, que desapareci confinada que fui às visões românticas do colonizador, que refiz pegadas, que apaguei traços, que me enfureci e sacudi lapelas. Eu, que apontei dedos acusadores, eu que não sabia coisa alguma, eu que tinha tantas certezas, eu que sorria para a multidão que atirava rosas, eu que dava tchauzinho de miss. Eu, que respeitava o nosso gentil patrocinador. Eu, que tive medo e coragem, que amei e odiei na mesma frase, no mesmo segundo, no mesmo toque. Eu, que estabeleci motivos para a guerra e assinei tratados e capturei os chefes das outras tribos e cortei tendões dos inimigos e que não fiz prisioneiros. Eu, que embalei crianças mortas, lutei por causas perdidas, rendi-me a cada lugar comum, ou clichê, ou armadura brilhante, ou cão de ataque. Eu, que consultei os astros e os sábios da cabala, que entendi os mapas, que tracei as rotas, que tirei conclusões, que reuni a tropa, que segui os relatos dos vitoriosos. Eu, que patrocinada pela rainha, lancei-me e aos meus ao mar, enfrentando monstros, chacinando sereias, despencando de bordas e perecendo sem laranjas. Eu, que quis laços cor-de-rosa e chuteiras, tortas de maçã e cervejas, doença e guerra, instâncias individuais e direitos intactos, jujubas e drama, água potável e fontes decorativas. Eu, que enterrei os que partilharam de minha juventude, escolhi ignorar o óbvio, que preferi não notar o desmoronamento do improvável, que vaguei sem rumo, que temi o inexato e cantei durante o verão. EU, que grito das janelas ignorando os vestígios do impacto, chegando a extremos, capitulando, chegando a extremos, capitulando, chegando a extremos. Eu, que reuni fragmentos. Eu, que não pude ver os dizimados pelas armas e que, dizimada, não quis acreditar. Que, que não me identifiquei com os vencidos, que não tive culhões para ser o vencedor e nem caráter para apenas observar. Eu, que nunca soube o nome da dor.

Três, sem tirar de dentro, do ¡Drops da Fal!

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