30.1.07

Onesome

Cedo demais para acordar e ainda assim tarde demais para me despedir dela antes que saia para a escola: começo inauspicioso para o fim de semana. Traços discretos revelam a pressa matinal –duas peças de roupa jogadas na cadeira, o banheiro ainda úmido, a toalha pendurada apressadamente que caiu do gancho na parede, a máquina de espresso ligada. A essa altura ela está no trem, provavelmente tentando tirar um cochilo (a não ser que haja alguém sentado logo ao seu lado, porque ela jamais conseguiria cochilar com um desconhecido no assento ao lado). Ms. M. odeia essa convenção ferroviária de pares de assentos voltados um para o outro –a obrigação de desviar o olhar, de sorrir idiotamente quando o desvio não funciona-, e odeia a paisagem suburbana (da cidade para o campus, subúrbio sucede subúrbio, a desolação de marts, condomínios, casas isoladas enfeitadas por desenxabidas e desbotadas bandeiras). Ela poderia adiantar a lição de casa e ler sobre o Magma 3, Dogma 5, Zeugma 9, mas aposto –com certo sentimento de culpa- que o sono não vai deixar.

Tomo café, apanho o jornal. A bicicleta me olha com repreensão estampada nos pedais, mas tá uma chuva besta lá fora, composta, tenho certeza, por aquelas gotas geladas e espessas capazes de encontrar caminho gola abaixo não importa quantas camadas de roupa o mano vista. Me acomodo no sofá do escritório com um livro, mas meu encontro com Messrs. Walker & Sons na noite de ontem impede que eu dedique a concentração necessária às peripécias da economia nazista tais como brilhantemente descritas pelo Dr. Tooze. Leio um pedaço do jornal, penso nela mais um pouco –meio litro de café por hora de aula, estimo, rindo- e decido sair. Dizem que tem 15 milhões de pessoas na região metropolitana -e mais ou menos 14 milhões delas estão fazendo compras no mesmo horário que eu, aparentemente-, mas 15 milhões menos uma igual a zero: cidade fantasma e, em cada loja, em cada rua, a vontade irresistível de sacar o intimorato Blackie do borso e comentar alguma coisa com ela.

Depois de almoçar com amigo ainda mais melancólico do que me sinto –hair of the dog, wha’?- e de comprar mais coisas de que não preciso e presentes propiciatórios, descubro que tempo e perambulação conspiraram para me levar à gare, marromenos meia hora antes do horário em que o trem dela deve chegar. Compro flores, amasso as pobres das flores por conta do excesso de pacotes, alugo armário, confiro horário e plataforma (as câmeras de segurança com certeza já me catalogaram como ameaça). O celular chilreia. Ela, avisando do horário de chegada e perguntando se estou em casa. Sorrio. Compro meu 19° café. Me escondo por trás de uma coluna e das flores amarfanhadas na plataforma de desembarque. Ela desembarca, elegantemente envolta em um casaco que parece um pufe de napa. Deixo o abrigo, aceno. Ela pára. Franze os olhos. Abre aquele sorriso que demole cidades fantasmas. Corre que nem menina pela plataforma, e se lança em meus braços. Eu derrubo as flores, mas consigo dizer “tava morrendo de saudade” uma fração de segundo antes dela.


Filthy McNasty

Nenhum comentário: