25.1.08

Renata

São seis horas e ele não vai ligar. Renata sabe que ele não vai ligar. Ela é mulher, ela já nasceu sabendo. São seis horas e quarenta e dois minutos. Ele estava num boteco com amigos quando atendeu o celular, foi muito simpático e disse que ligaria assim que chegasse em casa. Mas ele não vai ligar, Renata tem certeza. São sete horas e vinte minutos e, ciente de que ele não vai ligar, Renata faz seu miojo com o telefone sem fio ao lado, só para garantir. Ele não vai ligar porque quando ele chegar em casa já vai estar tarde. São oito horas e oito minutos. Renata pendura as roupas no varal com o telefone no bolso, por via das dúvidas. Ele não vai ligar porque assim que ele fechou o celular naquele boteco esfumaçado, ele se esqueceu de que havia falado com ela. São oito horas e quarenta e nove minutos. Renata assiste uns enlatados americanos e uns pedacinhos do Fantástico e ele não liga. Claro que não. Ele não vai ligar porque ele é um homem. E homem e mulheres, quando olham para um telefone, vêem o mesmo objeto, mas não vêem a mesma coisa. São nove horas e vinte e sete minutos. E Renata, veterana de muitos e muitos não-telefonemas, sabe que ele não vai ligar. Ela sabe, mas anda com o telefone pela casa. São nove horas e cinqüenta e quatro minutos e ele não liga enquanto Renata, com o telefone em cima da pia, faz xixi, toma banho, seca o cabelo e passa todos os cremes. São dez horas e vinte e um minutos e quando o telefone toca Renata dá um pulinho e sente dor no estômago mesmo sabendo que não é ele. A certeza de que não é ele ligando, estranhamente aumenta a esperança. Renata atende, conversa um pouquinho com sua mãe e libera a linha. Mas ele não liga. São dez horas e cinqüenta e três minutos. Ele não vai ligar porque vai chegar tarde do boteco, meio bêbado, vai estacionar o carro torto na vaga, vai demorar para acertar a chave na fechadura, vai tropeçar no viradinho do tapete, vai largar a camisa amassada no corredor e vai se jogar na cama de calça e sapatos. Renata sabe muito bem que ele não vai ligar, porque homens e mulheres quando dizem que vão ligar, usam as mesmas palavras, mas querem dizer coisas diferentes. São onze horas e treze minutos. Ele não liga, mas Renata dorme com o telefone ao seu lado, a gata preta aos seus pés, um sono bobo, um sono leve,um sono que não acredita em nada, um sono que acredita em tudo. São onze horas e quarenta e dois minutos.

nomes só

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