4.2.09

Avós, mães e filhas

Sempre achei que não tenho a menor vocação para ser mãe, mas cada vez tenho mais certeza disso. Vendo uma amiga dar papinha para o filho, lidando com aquela manha típica de quem não pode escolher o próprio cardápio, só conseguia pensar "tomara que ele não goste de maçã com laranja, assim sobra um pouco para mim". Na última Bienal do livro, quase sai no braço com uma garotinha por causa do último exemplar de Princesas Esquecidas e Desconhecidas – só não abri o berreiro no estande da Moderna porque a assessora gentilmente convenceu a fedelha a levar um livro da Barbie. Convenhamos: uma criatura assim não está autorizada a ser mãe.

Meu vasto currículo como filha depõe contra qualquer interesse meu na maternidade. Lá se vão 30 anos de experiência fazendo birra, pedindo colo e chamando minha mãe sempre que me vejo desafiada por algum drama incontornável – uma gripe avassaladora, um bolo encruado, uma abelha teimosa, um ralado no cotovelo que já nem dói mais, mas sempre garante cinco minutos de colo.

Enquanto minhas amigas de infância e faculdade treinam o talento materno, eu continuo seguindo com louvor minha vocação de filha: tomo banho de chuva, como a sobremesa antes do jantar, fico acordada até mais tarde, durmo de cabelo molhado e (essa é para levar umas boas palmadas) passo o final de semana à pipoca e brigadeiro.

Um dia eu cresço. Mas tomara que demore.

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Dona Eufrália

Estou numa guerra dos infernos com Dona Eufrália e suas filhas. A gente se detesta desde o dia em que nos conhecemos. Durante o dia, ela e sua prole se espalham; à noite, lanterna em mãos, eu as expulso, uma a uma, do meu vaso de petúnia.

Esse é o problema das lesmas: elas se multiplicam muito rápido. Desde que assassinei sem querer o marido de Dona Eufrália, a velha lesma não me deu mais sossego. Comeu todos os brotos da petúnia. Deixou seu visco brilhante por flores e folhas e começou um ardiloso plano de expansão para vasos vizinhos. Peguei uma de suas filhas dois andares abaixo, se preparando para atacar meu cacto preferido.

Gente de coração mole como o meu não consegue diferenciar a vida de uma minhoca da de uma lesma. Para mim, ratos são tão fofinhos quanto esquilos, ainda que tenham maus-modos à mesa. Morcegos são passarinhos noturnos. Hienas são cães que riem. Nenhum bicho vale mais que outro — humanos incluídos.

Só porque não conheço uma função interessante para uma lesma, não vejo porque matá-la. O que Dona Eufrália claramente não entende, dada a raiva com que instrui suas filhas a destruir minhas plantas. Então, toda noite, eu as recolho com uma varetinha, atravesso a rua e deposito, lesma por lesma, no gramado da praça. Já que estamos em guerra, elas que se entendam com os passarinhos.

duas da Carol no
Guindaste

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