23.12.02

Quarta-feira, na hora das aleluias

1 – Esse homem que vai pela avenida Getúlio Vargas tem um conflito insolúvel entre o pé direito e o pé esquerdo.

2 - As cinco ninféias, gráceis feito garças, mesma roupa, mesmos cabelos, mesmo encantamento, levitam sobre saltos no desfiladeiro da Sergipe.

3 – Algo está fora de prumo no ir às compras da jovem senhora, magra como um fiapo, ali por Alagoas com Cristóvão Colombo.

4 – Pela Avenida João Pinheiro desce um homem de terno puxado por uma gravata. Ninguém pode ver dele os pés.

5 – A luta de classes (embora brasa dormida) continua atualíssima entre os pés do mendigo e a pelica azul-marinho acariciando os pés da moça na Avenida Afonso Pena.

6 – Pés executivos, determinados, sisudos, pés corporativos, pés sem consciência de culpa, acabam de pisar a auréola caída de um poeta na Avenida Augusto de Lima. Mas o poeta ignora a perda da auréola.

7 – Essas pernas não são pernas, esses pés não são pés, esses seios não são seios — são uma fuga de Bach na manhã de sábado da Praça da Liberdade.

8 – Ali vai o arquiteto pela Rua dos Inconfidentes, o pé esquerdo em linha reta, o pé direito em linha curva. “Bom dia, mister”, diz-lhe a casa em demolição.

9 – Rapazotes de terno e gravata, com os corações na Bolsa de Valores, têm pés de fuzileiros navais na manhã de quarta-feira da Rua Espírito Santo.

10 – O livreiro da Avenida Getúlio Vargas tem pés ensaísticos, pés com pé de página, pés com notas biográficas no seu ir devagar para a hora do café.

11 – Madame pisava esotérica, hoje pisa cibernética pela Avenida Cristóvão Colombo.

instantes de KAFKA EM BELO HORIZONTE

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