24.2.03

Assédio Sexual em Miniatura

Vi uma menina sábado no Bar de Baco que eu juraria ser a menina do Chico. Faz quatro anos já que isso aconteceu. Mas poderia jurar que era a própria. O Chico... bom... o Chico..., a primeira coisa que se percebe nele é a aparência. Não dá pra ignorar. Beleza que pára o trânsito se o motorista for mulher. O típico moreno de olhos verdes, mas ele tem tudo lindo. Corpo de atleta com boca, nariz, cabelo, pele, voz perfeitos. O que mais? Tudo. Tem gente assim. Que nasce, sei lá, perfeita. É bom de olhar pro Chico. E é bom estar com ele. É um cara tranqüilo, bom papo, mente aberta, viajado, cheio de histórias pra contar. Fotógrafo dos melhores, hoje o Chico não mora mais no Brasil. Mas há quatro anos, ele estava aqui e nos presenteava com sua companhia lá no Baco.

Uma noite, devia ser mais de dez horas, entra pela porta a garotinha, cerca de treze anos. Carinha de anjo e bonitinha que só ela. Fica parada ali na entrada, olhando pra nossa mesa, e logo depois começa a fazer sinais, chamando uma pessoa ¿ o Chico. Passa o garçom, deve ter perguntado o que ela queria. A garota cochichou alguma coisa, escreveu um bilhetinho com a maior categoria, caneta cor-de-rosa na folha da agendinha, O garçom chega na nossa mesa e entrega o torpedinho pro Chico. O Chico ficou chateado com aquilo. Dispensou o garçom sem dizer nada, pegou o celular e discou um número. Aí ele fala com uma tal Rosana, fala "olha, sua filha tá aqui no Baco, acho melhor você vir pegar ela, que eu não vou levar ela pra casa de novo..." A mulher disse alguma coisa e ele: "É... não depois da última vez." Quando desligou o telefone, tava todo mundo esperando o Chico esclarecer. No início, ele até tentou desconversar, mas não teve jeito e contou.

A mãe da menina, Rosana, morava ao lado da casa do Chico. Mas foi sua amiga de infância também. Explico: o Chico vivia na casa que fora de seus pais, e a Rosana, depois da separação, voltou pra casa da mãe dela, trazendo a filha, Cristina. Assim, foram vizinhos desde sempre, com um intervalo de uns cinco anos, o tempo em que a Rosana ficou casada. Com essa amizade, o Chico sempre era convidado pros aniversários da menina. Mas o problema tinha começado mesmo no ano anterior, no aniversário de doze anos da garota. Ela encasquetou que queria dançar com o Chico. Ele adora crianças e foi com o maior prazer. Dançou com a Cristina e com as outras meninas, tirou fotografias, conversou com os adultos.

Depois disso, pela manhã, na ida para o trabalho, o Chico encontrava a menina, que pedia uma carona para ir à escola. "E o teu ônibus?", perguntava. "Eu perdi", dizia a garota. E assim foi uma semana, até que o Chico ligou pra Rosana. A Rosana, claro, não sabia de nada, mas contou uma coisa pro Chico que deixou ele espantado. A Cristina estava apaixonada e só fazia falar do Chico. A mãe não sabia mais o que fazer pra conter a pestinha, pegou a garota de binóculo espionando a casa dele, interceptou cartinhas, ralhou e xingou. Pensava que estava acabado. Agora ficava sabendo que a coisa estava só começando. Ia colocar a Cristina de castigo. Mas, como toda mãe separada, carregava uma grande culpa pela falta que fazia o pai da menina... O Chico nem soube o que dizer, depois logo esqueceu. Só não ia mais dar carona pra garota.

Então começaram os telefonemas. E os e-mails. A menina ligava pro Chico o tempo inteiro, no estúdio, em casa, no celular, uma loucura. E os e-mails entupiam a caixa de correspondência do Chico. Ele disse que pedia pra garota parar com isso e ela era só juras de amor eterno. Nem aí pro que o Chico falava. A coisa toda, disse o Chico, começava a assustar. Porque dois dias seguidos a garota fugiu de casa e foi parar no estúdio no Chico, do outro lado da cidade. Fazer o quê? Duas vezes, ele teve que largar tudo e levar a menina pra casa. O Chico é muito boa gente. Depois dessa, a Rosana deixou outra vez a garota de castigo, diz o Chico que ela chegou a chorar, não sabia mais como conter a menina. O Chico quase chora junto porque a garota tava deixando ele maluco e a coisa até começava a pegar mal.

E aí a garota fez pior. O Chico acorda no meio da noite e pensou que estava tendo um pesadelo. Sentiu uma coisa estranha, abre os olhos, alguém beijava sua boca. A Cristina tinha entrado em sua casa durante a madrugada. Até hoje, ele não sabe como. Bom, com essa, o Chico perdeu a paciência. Pegou a menina pelo braço, levou ela pra casa e intimou a Rosana. Nunca vi o Chico brabo, nem imagino como seria... Mas funcionou, porque, dia seguinte, a Rosana liga se desculpando, falou que ia se mudar, única forma que via pra segurar a sua filha. Já ia pro quarto mês que a coisa tinha começado. O Chico disse que teve pena, mas não falou pra ela ficar, respondeu que era o melhor a fazer. Ele devia estar incomodado, porque o Chico é aquela pessoa que se preocupa com o bem-estar dos amigos. Mais um mês ele teve que agüentar a menina aprontando e, depois, a Rosana se mudou mesmo. Fazia mais de dois meses que o Chico não via as duas. Estava livre do assédio. Nunca mulher adulta o importunara tanto e olha que o Chico tinha muitas namoradas. Ele pensou que, não sendo mais vizinhos, estaria livre do assédio... Até aquela noite...

Como podia a pestinha saber do Bar de Baco e que ele estaria lá aquela hora? Nós não tivemos o que dizer. Até o Mark, que sempre vinha com solução pra tudo, ficou pensativo. Depois não sei mais o que aconteceu. Ano seguinte, o Chico foi pra Inglaterra e, quando ele vem pra cá, eu nunca toquei no assunto. Agora, a menina deve ter uns dezessete e, se era ela sábado no Baco..., puxa! Fosse eu homem e bonito, ficaria com medo. Olhando pra Cristina hoje, ninguém adivinha, ainda tem a mesma carinha de anjo.

no butiquim de Angel 7000

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