13.3.03

Beto
O Beto tem a mesma idade que eu. Fomos amigos de infância. Quando tínhamos dezesseis anos, o Beto era o terror das festas. Terror de terror mesmo. Todo mundo fugia do Beto, porque durante as festinhas, adolescente quer dançar, ficar, paquerar, tentar aliviar um pouco as necessidades hormonais latentes. Mas o Beto era diferente. Ele queria conversar. De preferência, sobre as disciplinas vistas em aula e de preferência sobre física. Imagina você de olho na Fernandinha que está lá do outro lado da sala sorrindo pra sua pessoa. Você toma coragem pra cruzar o recinto e dar o bote, mas é impedido pelo cara que se atravessou no seu caminho, mencionando alguma coisa sobre a fórmula de não-sei-o-quê que você não entendeu nada durante a aula, imagine só se você vai tentar entender essa abominação agora, com a Fernandinha lá na menor minissaia que já se viu. Mas o Beto insiste. Aí você dá uma de grosso, depois fica com pena porque, no fundo, você é um cara legal, mas também o Beto é um mala ao quadrado. Você se livra do Beto, que parte em direção a outra vítima, agora uma menina. Porque até o Beto sabe que as meninas são mais compreensivas. Aí ele aborda a menina que tá conversando com uma amiga, tentando decidir se fica ou não fica com o Daniel, aquele gostoso que deixou ela na mão no último sábado. O Beto pergunta o que ela achou da última aula de química. A menina é direta: Beto, não enche! E por aí vai. O Beto tentando se aproximar e o pessoal tentando ficar o mais distante possível dessa criatura bizarra.
Assim foi a adolescência e aí o Beto partiu, só o reencontrei há dois anos quando ele voltou pra cidade. Hoje, o Beto costuma aparecer de vez em quando no Bar de Baco. E ainda provoca grandes antipatias, mas de uma maneira bem diferente. O Fábio e o Dado acham o Beto um terror. Terror de terror mesmo Porque ele começa a falar de certos assuntos, os mesmos que tentava falar com a gente na adolescência, mas agora a coisa mudou de figura. O Beto fala de coisas tão atraentes e interessantes que, ao invés de o pessoal fugir, todo mundo quer se aproximar. Mas dá pra compreender o fato de alguns indivíduos desejarem cortar a garganta do Beto. Imagina você ali no Bar de Baco, no lugar do Dado, por exemplo, com a Bárbara ao seu lado na mesa, quase pronta pra ir ao seu apartamento e ter uma noite inesquecível. Você se deu ao trabalho de arrumar todo o apartamento e até champagne deixou na geladeira porque sabe que ela se amarra num espumante. Então chega o Beto e alguém puxa assunto com ele. Confesso, esse alguém geralmente sou eu, mas é que o papo do Beto é simplesmente irresistível. Ele vai respondendo, assim:
- ... e então imagine que você descobriu um buraco negro com uma massa umas mil vezes maior que a do sol e você fica a uns centímetros do horizonte de eventos desse buraco negro; a sua passagem pelo tempo se desacelera e o seu relógio vai ser 10 mil vezes mais lento que o do pessoal aqui na Terra. E, se você ficasse ali por um ano, quando fosse pilotar sua nave espacial de volta para a Terra, numa viagem curtinha, quando você chegar lá, vai perceber que na Terra já se passaram 10 mil anos...
Ou...
- ... a idade atual do nosso Universo é de cerca de 15 bilhões de anos...
Ou...
-... o relógio de uma pessoa que está em movimento anda mais devagar, mas são números tão pequenos que não percebemos, agora, se andássemos na velocidade da luz, notaríamos a diferença com certeza...
E por aí vai. A Bárbara se interessa, claro. Qual é a mulher ou a pessoa humana que não se interessa pela origem da vida, a maior de todas as questões? E o Beto ali, esclarecendo mil coisas, respondendo a todas as perguntas, levando a turma pra viajar com ele pelo cosmo das possibilidades. E adeus sua noite inesquecível com a Bárbara.
É por essas e outras que, se você estiver com intenções para depois do Baco, não sente na mesma mesa que o Beto. Se na adolescência as mulheres fugiam dele como do capeta, hoje o Beto parece que tem mel. E tudo só no papo.

nas galáxias de Angel 7000

Nenhum comentário: