Na noite de domingo, fria como jamais imaginei uma noite carioca, descobri o óbvio: envelheci. Não foi o caso clássico de se olhar no espelho e descobrir rugas. Nem tampouco foi o tédio que se apoderou do corpo já sem vontade de respirar. Foi somente uma sessão de cinema com velhos e novos amigos. Na tela, Os Saltimbancos Trapalhões, filme que marcou minha infância como, creio, a de muitos dos meus leitores. Ao meu lado, um novo amigo cantava empolgado as músicas de Chico Buarque em parceria com Os Trapalhões. E eu lá, assistindo ao filme, rindo e me descobrindo velho cena após cena.
Descobrindo-me velho porque Os Trapalhões já não faziam o menor sentido para mim. Eram somente uma lembrança boa. Uma overdose de nostalgia, a mesma que sinto quando leio as crônicas do Antônio Lobo Antunes. Eu assistia à história com um cinismo que obviamente não existia em mim quando eu era criança. E vasculhando cá este cinismo eu descobri uma coisa importante.
O grande problema de envelhecer não é o cheiro próximo da morte. Nem tampouco é o cansaço inerente ao corpo. Ou a memória que o trai aqui e ali e aqui e ali e aqui e ali. O grande problema de envelhecer é que você adquire um compromisso com a realidade. A imaginação se perde e tudo tem que ser real. Talvez seja uma necessidade de se provar para si mesmo, a todo instante, que não se está morto e que o que se vê é palpável. O fato é que os velhos precisam da realidade.
E quando eu digo velhos é claro que não estou falando de senhores de cabelo branco e de senhoras d’além menopausa. Falo de trintões ou nem isso, que precisam pegar um avião às seis da manhã para seus trabalhos burocráticos; de trintões que têm filhos; de trintões cujo sonho maior no momento é arranjar um emprego de gerente do McDonald’s. E escrever um livro, quem sabe?
(...)
Envelheci, mas não queria. O Chico Buarque que canta no Os Saltimbancos ainda me faz todo o sentido, mas sou um imbecil teorizando sobre as letras, dizendo que uma máquina de escrever ao fundo de uma música é genial. Envelheci, mas não queria. Fico pensando que o ator que faz um ajudante de circo não pode ser, algumas cenas adiante, um policial. Envelheci, mas não queria. Não entendo o porquê de o filme ter parte filmada nos Estados Unidos, num estúdio de Hollywood, nem compreendo o fato de um cachorro correndo na chuva não se molhar nadinha. Envelheci, mas não queria. Quero uma luta de classes no final, quero diálogos complexos, faço mentalmente citações de Marx, Hegel, Freud e o escambau. Envelheci, mas não queria. E quando o burro chora, na última cena, aceito o rótulo de piegas para aquele momento que deveria apenas ser considerado ingênuo. Envelheci.
(...)
Não quero a realidade. Não quero Carandiru nem Cidade de Deus. Não quero Godard nem Bergman. Não quero ler Wittgenstein e Kant. Pouco me interessa Saddam Hussein, Bush e Osama Bin Laden. Quero de volta a minha imaginação. O valor das pequenas coisas, desde a Wimmi com pastel de queijo, passando pelos tubos de ensaio da Bond Carneiro, pelo Capitão Gay do Jô Soares, o pluct, plact, zum que não vai a lugar nenhum, a minha BMX Monark, o autorama que nunca tive, a guerra de mamona; e chegando até o limite disso tudo, que é Luan & Vanessa cantando um amor sofrido de crianças impúberes. Não quero a realidade; quero a imaginação de estar nadando mar adentro rumo à África, de achar que a amizade e o amor são eternos, de acreditar que a polícia está à minha cata só porque eu derrubei um pote de doce de leite no supermercado.
dilacerado dO Polzonoff
16.4.03
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