31.5.03

Caminho sozinha até o cinema. Pedrinhas da calçada me escutem os ais. Te encontro às nove eu disse. Minha fala é cínica que dói. O galo já cantou três vezes e eu ainda não te neguei nada. E como te negaria, voz de minha vida? Como te diria meus nãos fingidos, falsos, intranqüilos, sem que eu negasse a mim mesma o gosto de tua boca? Digo ao galo que se cale. Preciso pensar agora. Pedrinhas da calçada, me escutem, me digam, me façam pisar neste chão onde vocês se esparramam e onde por tantas vezes eu também já estive em pedaços. Como negar-me antes do próximo pôr de sol que se fantasia de amanhecer? Chegarei ao cinema exausta. Quando o bilheteiro perguntar "inteira ou meia?", pensarei: "inteira!", mas ao confrontar seus olhos por baixo dos óculos, serei sincera de novo e responderei: nem uma nem outra, sou pedacinhos e estou na calçada, o senhor não vê? Então não olho mais para o homem ao lado da porta a assobiar uma canção de Beto Guedes. Não entro na sala escura. Dou meia volta. Agradeço à calçada e volto pra casa. E agora sim, Sr. Galo, pode cantar até se acabar.

Walkwoman

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