1.6.03

POUCO.

Precisava muito pouco pra viver, nada complicado, tinha o meu emprego, salário no fim do mês, uma cama pra deitar, dentes pra mastigar, saúde legal, só minha idade pra atrapalhar, cinqüenta e cinco anos fazia estragos, ombros mais caídos, saliência no abdome, cansaço no olhar, menos mulher, fizera as contas, somente duas no ano todo, mas tudo bem, você está amadurecendo me diziam os amigos, mas eu me preocupei, teria que dosar o amor, o pouquinho do amor que restava dentro de mim, o motor não podia parar, eu tinha esperança, sonhar reencontrar o belo no meu interior, ser outra vez o bom amante, você é um imbecil ! eu gritava mudo, as vezes mais relaxado eu me dizia, é bem possível e sorria; assim seguia minha vida, preocupado com minha crescente velhice e a tradicional solidão dos velhos e tudo mais, as vezes mulheres apareciam e diziam, você é tão maduro, gostaria de viver ao seu lado! pois sim, maduro, se soubessem da verdade sairiam correndo aos berros, nem passariam pela mesma rua, portanto eu continuava sozinho, eu e meus cinqüenta e cinco anos, cada dia mais difícil: cara, me dizia um amigo, nessa idade a gente vê as coisas com mais clareza, tudo é mais simples, você fica calejado, bom, eu respondia, pode ser, tenho que reaprender, não dá mais pra sorrir, mostrar os dentes alvos, piscar um olho, e esperar o convite, tão simples tempos atrás; o velho não pode complicar, nem ser exigente, é bom deixar a dignidade pra lá, meu amigo abanava a cabeça, eu sem saber se concordava ou se tinha pena de mim, mas Deus, as vezes se precisa de um pouco de sexo, uma mulher que fale bobagens pra você, sentir seu perfume, segurar a mão macia, e isso eu encontrava quando queria, era só receber o salário e procurar as meninas de vida fácil...uma vez, bem recente, me arranjei com uma dessas, nova de idade, vinte um anos, alegre, bonita, meio mulata, olhos verdes, o nome dela Isaura, nem sei como ou por quê ela topou comigo, dinheiro não era, me fez sentir homem de novo; eu não interferia no trabalho dela, nada de ciúme velho, me repetia toda vez que me percebia carrancudo, ela tinha razão, mas porra, era meio difícil segurar essa, com tempo me acostumei , a raça humana tinha disso, se acostumava com tudo...bom, essas meninas são maravilhosas, tiram a roupa sem frescura, contam histórias pornográficas no seu ouvido, com certeza autobiográficas, fazem sex show, e te chupam sem cerimonia , se masturbam rindo, são molecas, não são hipócritas no sexo, ia tudo as mil maravilhas, tudo muito livre, alegre...numa noite depois de muito sexo ela me disse, vamos dançar, tem uma boate que conheço, lá em Mesquita, porra, menina, falei, a barra lá é pesada, mas me digam, dá pra resistir à uma menina com quase um terço de sua idade? não mesmo...
...o local era uma espelunca atroz, mal cheirosa, uma droga, Isaura me largou e correu prumas crioulas bundudas, beijando e abraçando, me sentei numa mesa, pedi um chope e esperei, depois do terceiro impacientei e fui procurar por ela, tava de flozo com um cara, me aproximei, segurei seu braço, vem, boneca, falei, o cara me olhou, encarei de volta, nada especial, apenas mais moço, simpatia, falou ele, se manca, a dama nesse preciso instante tá comigo, sacou? olhei pra Isaura, não gostei o que via no seu rosto, parecia dizer: manda ver se tu é homem, a examinei com cuidado, cuidado de quem não quer esquecer, reparei no vestido justo grudado no corpo, as costas de fora, tudo marcado, os bicos dos seios, o umbigo, a curva suave do ventre, se olhasse bem podia até adivinhar os lábios pequenos da vagina, droga, podia até sentir o cheiro de suas axilas, aroma do suor intimo, erótico típico das mulatas, porra, que beleza de mulher, comecei a ficar excitado...como é, amizade? tu vai ficar aí que nem poste? não respondi, esperei voltar ao normal, olhei ao redor, uns três pilantras e meia dúzia de vadias de butuca na gente, merda, pensei, negativo, tô fora, a porra do crooner assassinando um bolero, si negaras mi presencia e tu vivir...encaixou como uma luva, tô velho, mas tengo que vivir, e tinha mais, brigar por mulher, jamais de la vie, nem quando eu ainda tinha cabelo na cabeça, nem quando um bíceps de quarenta centímetros, never tinha quebrado essa regra, never, não ia ser agora, num bordel de beira de estrada, larguei o braço dela, resmunguei um fodam - se, tomei o rumo da saída, ouvi o grito : cagão! a partir de hoje não sou mais tua! covarde de merda! não abri a boca, nem olhei pra trás, fiquei parado na porta da espelunca, acendi um cigarro, pensando... droga, não tinha nada pra pensar, minha mente um branco...
...porra, eu vivia tão bem, por que diabo fui me meter com essa puta.

indignação do Yehuda

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