14.5.03

DIAS SEM ELA

Como te amo! Às vezes dói, de tanto amor. E ouço a sua voz, escondida. Até o seu silêncio, tanto e tão quente, às vezes eu ouço. O barulho do portão abrindo, os passos, miúdos, leves, pequeninos. É ela! Não. Não é ela. Nunca mais seu riso vai explodir como sinos chamando para uma festa, sem motivo, festejando nada, só a vida, mais a nossas vidas que a sua. Nunca mais suas mãos pequenas, as unhas pintadas de vermelho como gostava, não mãe, passa um clarinho, tá bem,mas eu não gosto, gosto de vermelho, tá bonito assim? Tá lindo, mãe. Nunca mais suas lágrimas sem saber porque, "não sei porque choro em todo aniversário", como se ainda doesse o parto, e seu abraço alegre, com tantas lágrimas nos olhos, quente, nas pontas dos pés, tão pequenina, tão grande. Nunca mais seu útero que nos uniu com sangue e nos fez como fez, nem mais nem menos, apenas nós, com tantos nós, desfeitos. Nunca mais. Nunca mais a doçura do seu colo, consolando da vida quem mal sabia viver e não tinha aprendido a saudade ainda, mas pensou que tivesse.
Doía vê-la frágil como uma peça de cristal trincado, rindo ainda como se não doesse nada, esperando, como se fosse fatal, com os olhos tristes, calados, como se não quisesse nada, tá tudo bem, mãe? tá tudo ótimo, filha, eu sou tão feliz, com vocês todos ao meu lado, como sou feliz! e sem querer chorava, escondido, para que você não visse a dor antecipada.

Eu não queria te livrar da morte, só queria que não doesse. Queria que sua cabeça ficasse no arco dos meus braços e embalar o seu medo, se tivesse medo, nem sei se teve, mais medo tive eu. E você me consolava como se fosse eu que morresse. Pronto, mãe, está acabado. Não precisa mais deste corpo que tanto te fez sofrer. Corre, com suas roupas brancas, por esses campos verdes, sem horizontes, respira, mãe, respira livre e forte, sem cansaço, voa, que não precisa mais de tubos, de oxigênio, de tentar, de tentar, como se fosse preciso não morrer. Espera por mim , que um dia ainda te alcanço nessa corrida. Quem sabe seremos mais felizes do que fomos aqui, do que tanto tentamos aqui. Não quero a eternidade. Só quero o calor do seu abraço e sem querer, soluço, como uma menina órfã, presa, para sempre, no vazio dos meus braços.

Confiteor

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