A gaveta, a inércia e o Anjo Exterminador
Existem muitas coisas das quais podemos nos orgulhar na vida. E outras das quais sentimos vergonha. Eu confesso que não tenho vergonha de muitas coisas, não.
Mas a maior delas é minha gaveta do banheiro.
Organizada eu nunca fui. Limpinha eu sou, embora sem neuras.
O fato é que essa gavetinha da pia do meu banheiro não é nem organizada e nem limpinha. Ela é um mafuá de coisas sem lógica, restos de trecos, como OBs soltos, cortadores de unha que não funcionam mais, lixas quebradas, bijuterias danificadas, frascos de esmalte vazios, toneladas de lápis de olho não apontados...e o pior: manchas de produtos de maquiagem e fios de cabelo que soltaram de pentes e escovas que já nem guardo mais ali.
Essa gaveta é grande? Não.
Eu não tenho tempo pra limpar? Meu tempo é curto, mas teria, sim.
Por que não arrumo? Não sei.
É uma força inexplicável que me impede de limpá-la. É mais ou menos como em O Anjo Exterminador, do Luís Buñuel. No filme, um grupo de pessoas vai a uma festa e ao fim, inexplicavelmente, não consegue ir embora. As portas estão abertas, o caminho livre. Mas eles ficam lá. Nem eles, nem nós - acho que nem o Buñuel - sabemos o motivo. É como eu e minha gaveta do banheiro.
Um psicanalista talvez me dissesse que a vida humana já é tão planejada, seccionada, que esta gaveta funciona como uma espécie de santuário. Um reduto de caos total em meio à (semi)organização doméstica, mantido por mim com uma ponta de orgulho. Mas o fato que minha mente já é esse reduto de caos. Eu não preciso que a gaveta seja também.
Então amanheço, adormeço, e amanheço de novo...e a gaveta fica lá, do mesmo jeito.
Enfim, pode ser mesmo que isso diga muito de mim. E talvez diga apenas que eu sou uma grande preguiçosa.
elasporelas
29.5.03
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