15.5.03

Me tranquei em um quarto obscuro e não consigo lembrar onde está a chave. Foi há 8 meses. Esperava que meus olhos se acostumassem ao breu, mas não há como distinguir alguma coisa. Não vejo nada, a não ser minhas próprias reticências. Tateei o cômodo incontáveis vezes e cansei de me machucar na escuridão. O sangue escorre de vários lugares do meu corpo, mas não me assusta mais. Sempre achei que tivesse aversão a sangue, mas aprendi que é a cor que me assusta. O que me apavora aqui é a solidão e a incerteza. O fato de não mais poder encará-la. Sou uma pessoa diferente a cada dia. Sem rumo esqueci como eu era. Não consigo mais distinguir meus sentimentos. Tropecei e não caí. Começou a chover e achei que tudo fosse se acalmar. Cantei músicas antigas. Talvez ela gostasse. Menti para que parecesse cinema. Só nós dois sabemos. Cadê o controle remoto para aliviar a ansiedade. Acho que vi pássaros e corri em direção a eles. Bati com a cara na parede. Que horas são? Meu mundo se resume aos sons dos carros lá embaixo na rua. Sinto falta da televisão. Do vento soprando minha cara. O telefone toca, mas não consigo achar. Devo ter dobrado a esquina errada. Procurei, mas era a gaveta errada. Vou fingir que tudo está normal. Começo a chorar. Mordo o lábio inferior, lembrando do que aconteceu mais tarde naquela noite. A última vez. Quero minha vida de volta. Sem o mosaico de verbos que não me fazem falta. Lembro de me perder em suas curvas e não conseguir achar a saída do labirinto da sua língua. Tenho saudade da luz, da cor da sua pele, do meu sorriso refletido no espelho da minha alma. Talvez eu seja só um cara que não usa reticências.

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