22.7.03

Genésio

Acordei cedo naquela manhã de sábado ensolarado. Cheguei na noite anterior à casa de meus avós, no interior do estado. A casa é grande, tem uns 5 quartos, inteira de madeira. Um terreno imenso, arborizado e com um gramado digno de campo oficial de futebol. Meu avô já estava lá fora, na grande e espaçosa garagem de pé direito alto, dando ordens ao Genésio.

O Genésio é um cara realmente entranho: Ele é descendentes de escravos, tem a pele muito escura, digna de senegalês. De idade avançada, faltam-lhe dentes. Trabalha por dia e recebe honorários de acordo com sua labuta. Ele é tímido e não olha nos olhos. Você pode contar-lhe a piada mais retardada do mundo, que ele quase tem espasmos de tanto rir. Ele é engraçado.

Curioso como sou, resolvi descobrir mais do homem:

— Diz aí Genésio, o que você fazia antes de virar o capataz aqui da fazenda? — referindo à casa de meu avô.

Depois de cinco minutos de risadas incontidas ele falou, sem dar muita bola:

— eu era matador da fazenda do patrãozim... é. — (Todas as falas do Genésio terminam com um "... é".)

Meu avô intercedeu na conversa. Contou-me que Genésio trabalhou muito tempo em uma fazenda de um amicíssimo dele, há tempos atrás, em uma região chamada "Fundão". Fundão era uma terra violenta, onde um revólver na cintura era o equivalente à um celular na cidade, ou seja, primordial.

Genésio era imcumbido de proteger a fazenda. Ele matava assaltantes e ladrões de gado. Matou "arguns par de bandido". A fazenda tinha índices baixíssimos de perda de contingentes eqüinos, bovinos e ovinos. Por outro lado, o cemitério do fundão começou a crescer, situado em uma descaída no extremo da fazenda. Existe até hoje, e é freqüentado atualmente pelos finados moradores da pequena vila instaurada ali.

Fiquei completamente interessado na figura de Genésio. Um cara completamente alienado ao sistema. Ele gosta de trabalhar, gosta de receber ordens. Trepa em árvores altas e poda galhos distantes.

Meu avô retirou-se, foi fazer alguma coisa na baiúca dele. Eu queria saber mais das metodologias para afugentar meliantes:

— Veja, dotôzinho: Voismecê (sim, ele fala voismecê!) têm que assustar o bandido. Primeiro mira o revórve, depois dá um tiro na cabeça e dois na caixa do corpo.

— Mas assim ele não "periga" morrer?!

— A grande maioria sim, mas tem uns que se assustam e não voltam mais!

O Genésio assustava mortalmente suas vítimas!

No final da tarde, depois de ter podado as 10 árvores da casa da minha avó, estava pronto para ir embora. Pegou seus inúmeros pertences, roupas e tranqueiras diversas e colocou dentro de uma malinha velha, que por infortuno, rasgou, deixando cair tudo no gramado. Tentou ajeitar rapidamente, mas não deu jeito: a malinha ficou impraticável.

— E agora Genésio? — perguntei-lhe.

— Não liga não dotôzinho. Eu pego umas sacolinhas de mercado e guardo tudo.

— Venha aqui Genésio, vou te mostrar uma coisa.

Levei-o a um antigo depósito de tranqueiras familiares, donde retirei uma mochila velha de lona, com uma estrutura tubular de aluminio. Aquela mochila foi companheira minha de muitas aventuras e incursões pelo mato afora. Nunca mais a usei.

— Pegue Genésio, presente pra você.

Ele riu compulsivamente. Achou que era brincadeira. Fiquei olhando-o sério. Parou de rir.

— O dotôzinho está dando mesmo de presente essa malinha?

— Sim, pegue que é presente de graça. E pegue rápido, antes que eu mude de idéia.

Ele guardou seus pertences dentro. Vestiu a mochila nas costas. Ensinei a regular as alças. Ele sorriu. Foi embora feliz. Ganhou seus dez reais em jardinagem.

Eu, ah, eu ganhei o dia com um fato sem precedentes.

plantado no ópio

Nenhum comentário: