15.7.03

Inferno. Inferno, repito toda vez que não te vejo e toda vez que tento me livrar de ti. Inferno. Por que não morres, não desapareces, não te ausentas, não te afastas? Porque não se abre uma garganta no chão e te engole, terra adentro e te leva pro intestino do mundo? Como assim não fazes nada? Fazes. Existes aí em algum lugar desta cidade, deste país, deste mundo e isso basta para que eu me estenda correntes, algemas, para que a minha volta cresçam grades e cercas mortas e eu paralise deitada sobre tua latência. Inferno, repito. Não te desencrustro da pele, não te desencravo dos olhos porque amanhã lembrarás meu nome e teus passos te trarão até a minha esquina e quando teus olhos me despirem de chegada, da tua boca voarão rosas. Amanhã perceberás teus pés nos sapatos errados, notarás teu casaco verde do avesso, sentirás falta das luvas das minhas mãos. Amanhã estranharás o frio da vida que não é tua, a casa em ruínas, o pão mofado sobre a mesa indisposta. Amanhã conseguirás ler outro nome gravado na coleira de culpa ao redor do teu pescoço e finalmente entenderás porque te apertava tanto. Amanhã verás um outro rosto no espelho e ele terá os olhos do menino que ouvia minhas histórias e um sorriso amplo esperará em teus lábios como antes esperava ao me ver passar vestida de azul. Amanhã a campainha soará quarteto de cordas e tu entrarás na sala só com certezas nos braços. Inferno. O inferno é o amanhã.

eu não discuto

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