29.9.03

Entre os restos que habitam a casa, a manhã abortada, coberta de sangue a quem foi negado nascer entre os teus braços, flores secas e despedaçadas a dente deitadas aos pés do teu retrato e um beijo frio que morreu de fome atrás da porta que não mais se abriu. Entre os restos que habitam a casa, o espectro dos teus olhos no espelho do quarto plenos das certezas que não me deste, as frases de um amor insano agarradas aos lençóis, uma réstia de sol que passeou nos teus cabelos pousada nua na almofada esquecida e uma paixão partida escondida em cacos debaixo de um travesseiro. Entre os restos que habitam a casa, um sonho que virou brisa impregnado nas cortinas com o teu cheiro, o gozo mais fundo dentro de uma gaveta, soluços galopando lírios nos vasos e o amor absoluto que preferiste não tomar para ti. Entre os restos que habitam a casa, o pouco que sobrou de mim.

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Como se despedaçam flores, vou arrancar uma a uma tuas frases de minha memória. Vou esquecer tua voz como versos que se decoram ao contrário, vou esvaziar vasos que se enchiam da alegria de tuas chegadas e deixar que caiam as folhas do livro das tuas ausências. Porque teu amor me chegará tarde, depois que de meus olhos já tiverem partido todos os barcos de brancos cascos, depois que em minha boca todas as rosas já tiverem murchado, depois que em meu corpo todas as chamas já tiverem se extinguido. Tu virás, então, me oferecer teu peito - meu céu de antes - teus lábios para que eu despeje um sorriso amante e encontrarás o que um dia foi tanto e já não mais existe: um amontoado de pétalas que foram flores em minha boca, vasos partidos e barcos que se perdem na distância de dias tristes.

Não Discuto

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