4.10.03

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Eu me vejo no incômodo posto de não me definir ideologicamente. Digo, não me definir para mim, porque para cada um dos grupos eu estou mais do que definido. Para os de direita eu sou vira-casaca, neo-esquerdista, coisa e tal; para os de esquerda eu jamais deixarei de ser o nazistófilo que ousou dizer que não votaria no Lula, o direitista-mor que ousa pregar a manutenção da individualidade, etc, etc.

Sou transversal, já disse.

O que eu procuro nestes dois grupos são as nuances de pensamento e o respeito mútuo. Não vejo nem uma coisa nem outra. Claro que aqui talvez eu deva fazer uma mea culpa. Talvez não; definitivamente eu tenho de fazer uma mea culpa. Afinal, já caí na armadilha do patrulhamento ideológico e já ataquei meus “adversários” desmerecendo qualquer tipo de argumento pelo simples fato de ele vir pintado de vermelho. Ou azul.

Mas, como eu dizia, eu procuro nuances nos dois grupos. Não vejo. No primeiro, que se autodenomina “A Corja” (perco o amigo, mas não perco a piada), predomina a adoração a certo filósofo cujo nome não ouso pronunciar, a americanofilia quase patológica, a doutrinação católica, a ojeriza por tudo o que se diz social e a postura reducionista, já exposta, que pressupõe que todos os que não pensam exatamente igual a eles não passam de comunistas comedores de criancinhas.

Aqui, antes de entrar no outro grupo, vale um adendo: é claro que nem todos os integrantes da tal direita festiva, muitos dos quais eu posso considerar meus amigos (ainda), exibem a totalidade das características acima descritas. Mas, em geral, sempre acabam por se enquadrar em algum dos grupos mencionados.

O que importa é que não há nuances de pensamento. Os adoradores de certo filósofo são adores mesmo, com direito a ritos de adoração e tudo. Não se pode tentar contradizer o filósofo que tudo sabe que já surge algum de seus discípulos com a estaca em riste: vampiro comunista! Os americanófilos tampouco permitem uma crítica aos Estados Unidos que seja. Aquilo lá é simplesmente um paraíso. Desde a língua, muito mais rica do que a nossa, até as instituições, passando pelos mitos populares, etc., etc. E se você ousar falar mal, por exemplo, da eleição de Arnold Schwarzneager para governador da Califórnia, vão dizer que é falta de informação, burrice e, em última análise, comunismo em estado terminal. Aqueles que sentem ojeriza por tudo o que é social têm um tilte se você disser que vai fazer trabalho voluntário, mesmo que seja para digitar as obras de Chesterton em braile para os cegos do Benjamin Constant. Perto deles você não pode nem mencionar aquela sigla que começa com “o” e termina com “g”. E os católicos fervorosos não são menos do que isso: católicos fervorosos, que sonham com a volta de inquisidores, fogueiras, castelos cercados por fossos cheios de crocodilos, rainhas, príncipes, bispos gordos se empanturrando de costela de javali, monges copistas, aquela coisa.

O outro grupo, que se diz todo ele “de esquerda”, progressista, esperancista, lulista ou sei lá o quê, tampouco apresenta as nuances que cobro da Corja. São anti-americanistas, lêem, em geral, apenas os mesmos autores marxistas de sempre, sentem um banzo danado do tempo em que havia tortura e tudo era culpa dos militares, são ateus, todos acham que Stálin errou, mas que o sonho não acabou, etc. etc. Acabam por cair no mesmo erro de reducionismo do primeiro grupo, e só não se percebem tão patéticos quanto porque têm suas idéias corroboradas pelo senso-comum, que é tão ou mais poderoso que o filósofo cujo nome não ouso, aquele.

Cadê as nuances? Adaílton Persegonha, uma das pessoas mais inteligentes que conheço na rede (e não me venham desqualificá-lo só porque faz humor; o riso é virtude, ainda que disso discordem os estóicos), dia desses expôs sua incapacidade de se definir politicamente. Ele, com eu, é transversal, ao que tudo indica. Ora, as pessoas capazes de se definirem como direita ou esquerda perdem, a meu ver, a capacidade de serem tão somente elas mesmas. Simples, comum, mas verdadeiro: ao optarem por uma ideologia (o Fukuyama que não nos ouça), acabam por perder sua identidade. Perdem a voz e só fazem ecoar doutrinas alheias.

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