8.10.03

Mania de grandeza

Às vezes eu me deparo com homens que vivem em delírios intelectuais. São grandes a não mais poder (no sentido de elevado, pelo amor de Deus!), emitem opiniões definitivas, são detentores do Grande Conhecimento e, por último mas não menos importante, sentem pena dos outros a granel.

A diferença entre mim e um maluco com mania de grandeza é que ele sente pena de mim pela minha pequenez que é real, enquanto eu sinto pena dele, por sua grandeza que é ilusória.

À noite, eu rezo pelas almas dos homens que se pensam grandes. Peço para que se tornem microscópios, para que notem que há sapiência no que não se dimensiona a metro. Rezo em especial para os homens que não se permitem sentir, porque se acham grandes. Para eles, não há nada pior do que o momento em que a noiva joga o buquê para trás, enquanto duas primas gordas rolam pelo chão, esperançosas. Os homens pequenos riem; um ou outro chora. O homem grande, não. Ele cita Aristóteles.

Digo o que digo com a autoridade de quem já passou meses de cama, acometido pelo mal da grandeza. Eu era febril na crença da minha superioridade. Perdi a conta de quantas vezes, tremendo, com o termômetro marcando quarenta e um graus, eu era sacolejado na sela de uma montaria que vencia obstáculos na Hípica. Noutras ocasiões, agarrava-me ao preciosismo de um soneto. O mais triste foi quando fiquei 48 horas insones na Biblioteca do Vaticano procurando por apenas uma referência ao brasão de minha família.

Não sei se há na psiquiatria termo adequado para definir o homem que delira na sua ambição aristocrata. Tratamento não há, ao menos não na farmácia alopática. Somente uns poucos curandeiros, dotados de um espírito cheio de galhofa, são capazes de prescrever remédios que curem a grandeza que é ilusória, para não dizer mentirosa, fraudulenta mesmo.

O tratamento inclui, antes de qualquer coisa, trocar o cinza por uma cor mais alegre. A calça social por uma calça de brim. O sapato por um tênis All Star. As meias finas por outras, chamadas soquete, com inscrições em inglês na canela. Raspar a barba também faz bem. Deixar de ler autores clássicos para se entreter com o que há de novo e bom é uma ótima pedida. Telefonar para os amigos, sobretudo para os inferiores, e com eles conversar sobre futebol e a novela das oito. Ir à praia vez por outra, beber Schincariol no lugar do bourbon. Não se ministra música ruim aos ouvidos dos seres que pensam que são grandes, mas doses homeopáticas de boa bossa têm se mostrado eficazes para curar o jazzismo ou classicite em estados já terminais. Em tempo: há doentes que não se furtam à audição de rock, desde que sejam capazes de ver metafísica na canção. Neles, o ideal é mesmo música sertaneja na veia. Um namoro cairia bem ao homem que acha que é grande, mas isso é remédio que depende de fatores externos. Nada melhor para um ser que se julga elevado do que uma noite passada em claro, com saudades da amada.

Os freudianos mais raivosos defendem que a mania de grandeza é a pior das perversões, porque transforma o doente num caricato rei da sarjeta. Ele diz que sabe apreciar bons vinhos e fumar bons charutos; quando a gente conversa com ele, não deixa nunca de escutar uma frase em latim; ele é capaz de discorrer sobre a nobreza da caça; e fica horas tecendo comentários sobre um verso de Alberto da Cunha Melo, por exemplo. Mas é rei num reinado fictício. Certo dia eu vi um documentário sobre o assunto, num desses canais pagos: era triste ver o homem que se dizia elevado em andrajos (cinzas, obviamente) tendo de ir ao banheiro e, assim, deparar-se com o que há de mais natural em sua condição de ser civilizado e grande.

Minha opinião sobre o assunto diverge da literatura médica e psicanalista ortodoxa. Não acho que seja caso para hospício nem tampouco considero a mania de grandeza uma perversão comparável à prática do sadomasoquismo. Acho que é mau-caratismo mesmo, curável com um ou dois cascudos bem dado no lombo do moço. Em geral - e as mães fazem isso sem se preocupar com teorias estapafúrdias -, uma boa sova com vara de marmelo cura este esnobismo. Na criança os efeitos são sentidos de imediato, mas num adulto que não tenha passado por isso na idade certa o efeito pode demorar a surgir. Logo, são necessárias duas ou três surras muito bem dadas no caboclo para que ele deixe de ser besta.

Mas eu dizia que sentia pena e sinto. Seria, portanto, incapaz de dar um tapa num maluco destes. Por mais que fosse para o seu bem. Como se trata de um caso extremo, talvez fosse aceitável, do ponto de vista cristão, desejar-lhe a morte. Ainda que eu saiba que tal afirmação jamais será compreendida. A morte como redenção, vista pelo outro, ainda é algo muito nebuloso, e se confunde facilmente com desejos homicidas.

Uma ignorância, sem dúvida.

O Polzonoff

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